Terras raras e o direito de ver a planilha
Deputada cobra transparência sobre Codemig e alerta: Minas não pode vender seu futuro às cegas.
As terras raras — 17 elementos essenciais para turbinas eólicas, veículos elétricos, celulares, mísseis guiados e toda a base da transição energética — deixaram de ser um assunto de nicho e se tornaram peça central da geopolítica. São a matéria-prima de ímãs de altíssima potência e de componentes eletrônicos de alto desempenho. Nesse tabuleiro, a China não detém todo o minério, mas controla a etapa decisiva da cadeia: o refino e o processamento, onde se concentra o valor agregado e, portanto, o poder estratégico.
O Brasil está bem posicionado para disputar esse jogo. Detemos a segunda maior reserva mundial, com depósitos expressivos em Minas Gerais e Goiás — inclusive em argilas iônicas, consideradas o “filé mignon” do setor por concentrarem elementos de maior interesse tecnológico. Estados Unidos e Europa buscam parcerias para reduzir a dependência de Pequim, e multinacionais já miram Minas pelo seu potencial. Mas nada disso nos tornará soberanos se o Estado abrir mão da transparência e subvalorizar seus ativos. Sem ver a planilha, o mineiro vira figurante do próprio futuro.
É aqui que acendo o alerta. O governo Romeu Zema decretou sigilo de 15 anos sobre documentos estratégicos da Codemig/Codemge, entre eles o relatório “Projeções Financeiras da Codemig”, produzido pela Goldman Sachs. Em português claro: quem paga a conta não pode ver a conta. E isso ocorre enquanto a Assembleia discute a adesão de Minas ao PROPAG, programa federal que permite amortizar parte da dívida com a União por meio da transferência de ativos. Se a Codemig reúne nióbio, lítio e outras terras raras de alto potencial, as perguntas são diretas e objetivas: quanto vale de fato? Esse valor cobre a “entrada” pretendida para a adesão ao PROPAG? Por que correr para vender água (Copasa) e energia (Cemig) se uma avaliação séria e pública da Codemig pode abrir outra rota — preservando patrimônio estratégico e garantindo melhor barganha para Minas?
O sigilo, aqui, parece método político que sabota a boa negociação com Brasília, enfraquece o controle social e contamina o debate sobre a venda de empresas que prestam serviços essenciais. Quando se escondem números, abre-se mão da soberania e barateia-se o que é do povo. Transparência não trava o desenvolvimento: transparência qualifica decisões, dá segurança jurídica e reduz o risco de vendermos ativos estratégicos como água e energia elétrica.
Defendo um rumo simples e republicano. Primeiro, publicar imediatamente os estudos e relatórios sobre o valor da Codemig, preservando apenas segredos industriais estritos. Segundo, realizar audiências públicas vinculantes, com dados completos, projeções de médio e longo prazo e contrapontos independentes. Terceiro, blindar a democracia direta: está na lei — a privatização de serviços essenciais exige consulta popular. Por fim, adotar o Plano A com a Codemig, que tem potencial para lastrear a adesão ao PROPAG. Devemos usar essa força para preservar Copasa e Cemig como empresas públicas, com tarifa justa, metas de investimento e qualidade de serviço.
Minas não precisa de marketing de eficiência. Precisamos de transparência, valoração correta e estratégia industrial que inclua transformar recursos minerais em produtos de alto valor aqui mesmo, gerando emprego qualificado, receita e liderança tecnológica em tempos de transição energética. Terras raras são poder. E poder, em democracia, se exerce com o povo informado.
O futuro de Minas não pode ser decidido a portas fechadas. Água, energia e minerais estratégicos pertencem ao povo mineiro e o povo tem o direito de ver a planilha antes que qualquer decisão seja tomada.
*Andreia de Jesus é deputada pelo PT-MG