
Sobrou para Tarcísio
Tarcísio continua dizendo que o seu candidato é Bolsonaro, mas o tempo encurtado do ex-presidente pode viabilizar sua candidatura
Na manifestação pró-anistia de 16/3, no Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro disse que não vai sair do Brasil e que será um problema preso ou morto. Mas, três dias depois, seu filho Eduardo informou, direto dos Estados Unidos, que pediu licença do mandato de deputado federal e que avalia pedir asilo político naquele país.
Na caradura, Bolsonaro elogiou a atitude do filho, como se fosse “heróica”. Com lágrimas de crocodilo nos olhos, agradeceu ao presidente dos EUA, Donald Trump, por “abraçar” Eduardo, o que sugere uma solicitação informal de asilo eventualmente extensiva ao próprio ex-presidente brasileiro. Depois, veio a público a informação de que Bolsonaro teria se oposto ao autoexílio do herdeiro, o que faz sentido.

Perguntado sobre como se manteria nos EUA sem o salário de deputado, Eduardo disse que usaria algumas economias e contaria com a ajuda do pai, que confirmou essa disposição. Logo depois, veio a público a informação de que a esposa e filhos do deputado já vivem numa bela casa no Texas e que ele é dono de uma empresa no país, em sociedade com outras duas pessoas. O “herói” não tem nada de coitadinho.
Além da farsa grotesca em si, os Bolsonaro se atiram aos braços de Trump, no momento em que ele deporta brasileiros de forma humilhante e onera os nossos produtos com taxas exorbitantes de forma unilateral. Os interesses pessoais e familiares prevalecem sobre os interesses nacionais e sobre o sofrimento dos deportados.
Perdas e danos
Nem pai nem filho dispuseram-se a mediar o que quer que seja de efetivo nas relações atuais entre os dois países. Não utilizaram os canais que cultivam entre os que apoiam Trump para tentar evitar danos à nossa economia e excessos no trato aos deportados. Além dos interesses pessoais, o que os move é a obsessão pelo golpe.

Eduardo é deputado federal pelo PL, um partido importante, foi sufragado por 740 mil eleitores paulistas e está articulado à rede internacional da extrema direita, mas disse que já não dispõe de instrumentos no Brasil para continuar lutando (supostamente pelo golpe). Quer, então, mobilizar o governo dos EUA para alcançar o seu intento.
Bolsonaro ainda tenta esticar a corda, protelar o julgamento no STF sobre a tentativa de golpe que começa nesta semana, pressionar o Congresso por anistia e pelo esvaziamento da Lei da Ficha Limpa e forçar o registro da sua candidatura presidencial. Mas a manifestação no Rio mobilizou bem menos gente que o esperado e é provável a sua condenação.
Eduardo não está incluído entre os réus, noves fora as suas declarações mais recentes que sugerem uma intervenção externa no Judiciário brasileiro, não corre risco imediato de prisão. O ministro do STF Alexandre de Moraes, com o aval do procurador-geral da República, arquivou uma ação que solicitava a retenção pela PF do passaporte do deputado. Falta alguma peça no tabuleiro para se entender porque ele precipitou o anúncio da licença.
A fuga do Eduardo fragiliza a estratégia de Bolsonaro de pressionar o Congresso e o STF pela anistia aos golpistas do 8/1, com o que pretende acabar com a sua inelegibilidade. Se o filho do ex-presidente não acredita na anistia, o que esperar dos demais? O autoexílio do parlamentar reforça a chance de uma prisão preventiva de Bolsonaro e o obriga a apertar o passo para o exílio, ou a prisão.
A fila anda
Dizem que Eduardo seria, para Bolsonaro, o nome mais adequado, na família, para o caso de sua substituição como candidato a presidente. Segundo o delator Mauro Cid, Eduardo e Michelle Bolsonaro seriam os adeptos mais fervorosos do golpe de estado. Com a fuga, Eduardo é carta fora do baralho.
Significa que o tempo acabou para Bolsonaro, que a fuga de Eduardo favorece a adoção de medidas preventivas, como o uso de tornozeleira eletrônica e de prisão preventiva. Ele não poderá esticar a corda até onde pretende, nem resolver a questão da candidatura em família. As pressões dos interessados numa candidatura viável de direita vão se multiplicar.

No mesmo dia do anúncio de Eduardo, o cantor sertanejo Gustavo Lima, depois de fomentar a hipótese de ser candidato a presidente por dois meses e até frequentando as pesquisas eleitorais, informou que não será candidato a nada em 2026. Essa hipótese incomodou Bolsonaro e outros postulantes de direita.
O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), também pré-candidato a presidente, havia proposto a Lima um acordo para, mais adiante, unir as candidaturas em torno do nome mais competitivo. Caiado propôs um lançamento conjunto das duas pré-candidaturas, na Bahia, em abril. Com a desistência de Lima, Caiado retoma o voo solo.
Caiado e Pablo Marçal (PRTB), que foi candidato a prefeito de São Paulo em 2024 e se diz pré-candidato a presidente, estão inelegíveis por decisões judiciais de primeira instância. Ambos recorrem. Situação diversa a de Bolsonaro, que já tem pelo menos uma decisão transitada em julgado.
Bola da vez
Pode ser que no dia da manifestação no Rio, Bolsonaro e seus asseclas já soubessem da decisão de Eduardo de permanecer nos EUA e não assumir a condição de plano B em relação à candidatura do pai. Talvez isso explique a radicalização do discurso que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), fez na manifestação, com ameaças ao STF. Discurso para o público interno.

Tarcísio continua dizendo que o seu candidato é Bolsonaro, mas o tempo encurtado do ex-presidente pode viabilizar sua candidatura. É bom lembrar que ele poderia disputar a sua reeleição como governador permanecendo no cargo, mas teria que renunciar ao mandato em meados de 2026 para disputar a Presidência. Para ele, o tempo faz toda a diferença.
Se Bolsonaro levasse a sua postulação até o prazo de registro dos candidatos, Tarcísio estaria fadado a disputar a reeleição. A fuga de Eduardo fragiliza Bolsonaro e apressa o processo, fazendo de Tarcísio a bola da vez no campo da direita.
Pode-se esperar, então, para os próximos meses, atos violentos e falas duras de Tarcisio, sobretudo em relação ao presidente Lula, para reduzir o espaço dos outros candidatos de direita. Quando estiver ungido candidato, vai adotar um tom mais light e apresentar propostas que possam atrair eleitores mais moderados.