Sinto muito, Damares. Meu lugar é na universidade federal
Nós, pessoas com deficiência interessadas em conquistar uma acessibilidade real, queremos ocupar lugares no ensino superior. Queremos ser pesquisadores, professores, profissionais de alto escalão, escritores e o que mais desejarmos.
A expressão viver em uma matrix nunca fez tanto sentido para mim como nesse ano. Desde o dia 1º de janeiro até hoje tivemos acontecimentos suficientes para dez anos, ou melhor, insuficientes para beneficiar a vida de várias gerações. Poderia aqui fazer um relatório por temas, mas ainda correria o risco de não conseguir expor a dimensão exata do prejuízo das diversas propostas apresentadas ultimamente pelos nossos representantes políticos. Por esse motivo, e além de focar na temática da deficiência em minha coluna, resolvi falar sobre algo o qual tem me incomodado muito nesses últimos dias: o desmonte sistematizado da educação pública em nosso país.
Desde minha adolescência ouvia de professores o valor do ensino acadêmico da UFMG. Aliás, a universidade é um dos maiores tesouros em Belo Horizonte, sendo objetivo de todo jovem e adulto estudar naquele campus e conquistar sua formação. Há um valor, um peso ter em seu diploma essas iniciais. Comigo não seria diferente, também sonhava em estar ali.
Não é fácil alcançar o ensino superior com a qualidade das federais. Todos os anos vemos a dificuldade de diversos alunos nos cursinhos de preparação para o vestibular. Jovens e adultos em busca de uma oportunidade de mudança por meio da educação pública. Nem todos tem condições de bancar uma faculdade particular, afinal.
Diversas pessoas com deficiência sequer conseguem terminar o ensino médio, por diversos motivos é importante dizer, contudo a fala da Damares defendendo o ensino domiciliar para crianças com deficiência jamais será justificada.
Não bastasse tamanho absurdo, ainda precisamos encarar os duros golpes orquestrados contra as universidades federais no país. Ou melhor, aplicação do plano de campanha eleitoral para impedir a formação do pensamento crítico em nossa sociedade.
Talvez para alguns toda essa preocupação seja exagerada, um “medo de comunista” como gostam de dizer.
Contudo, diante de tantas coisas me pergunto qual é realmente o projeto de acessibilidade e inclusão defendido por esse desgoverno. Há diversos pontos esquecidos por várias pessoas com deficiência, sem deficiência, jornais e demais.
Poderemos avançar em acessibilidade nos espaços públicos e privados se a presença da pessoa com deficiência é negada na socialização básica promovida pelas escolas? Como esperar que uma criança cresça consciente da diversidade humana, se ela não convive com colegas diferentes? Somente na experiência com o outro é possível realizar este tipo de aprendizado.
Uma pessoa com deficiência poderá sentir-se pertencente a esta sociedade se ela não possui acesso ao conhecimento? Como se verá sujeito com direitos? Fora da escola dificilmente encontrará oportunidade ao livre pensamento, ou capacidade de formular um senso crítico sobre o mundo e, se quiser, contribuir para sua mudança como qualquer outro cidadão.
Se a criança ou jovem com deficiência não tem contato escolar, como poderá ingressar na universidade e protagonizar pesquisas sobre suas vivências? Ocupar uma sala de aula acadêmica e realizar uma troca de aprendizados e experiências com os colegas sem deficiência.
A falta de pessoas com deficiência qualificadas no mercado de trabalho é comumente relacionada a falta de capacitação profissional como domínio de línguas estrangeiras, especializações, pós-graduação, MBA e títulos “atraentes” para empresas de grande porte. Dificilmente obtidas sem investimento financeiro, mas sabe onde elas são possíveis de conquistar? Universidades federais.
A vida com deficiência exige um custo. Gasta-se com aparelhos ortopédicos/cadeira de rodas/bengalas, exames periódicos (a maioria especializados e caríssimos), medicamentos diversos, fisioterapia, terapia ocupacional, psicólogo, psiquiatra, algumas internações, viagens (em busca de tratamentos diversos). Ufa, tanta coisa, não é? Isso porque não coloquei na conta os gastos básicos, de mobilidade (carros adaptados) e de lazer. Ou esqueceram que também nos divertimos nessa vida errante?
Tantos gastos te pergunto: como pagar uma faculdade privada se você tem deficiência e é de baixa renda? A resposta imediata seria bolsas, porém como se manter no ensino superior? Hoje a maioria das universidades federais possuem além das bolsas de estudos, meios para auxiliar os alunos se manterem como restaurantes populares, estágios docentes e núcleos de atendimento e inclusão.
Não dá para se dizer a favor das pessoas com deficiência e não investir nas universidades federais. É discrepante.
Nós, pessoas com deficiência interessadas em conquistar uma acessibilidade real, queremos ocupar lugares no ensino superior. Queremos ser pesquisadores, professores, profissionais de alto escalão, escritores e o que mais desejarmos.
Nesse baile de horrores, o recado está bem dado: querem que estudemos em casa e só isso. Sem mais oportunidades de mudança pela educação. Se você, colega com deficiência, ainda aprova esse desmonte então pode já ir considerando os vídeos do Olavo de Carvalho como cursos online de profissionalização.
Enquanto isso, sigo resistindo. Vai ter cadeirante na UFMG, prezados. Quem quiser, vem comigo estudando, aprendendo e construindo saberes onde o “NADA DE NÓS SEM NÓS” será a principal referência.