Sem acordo sobre redução de agrotóxicos, governo adia lançamento do plano de agroecologia
O programa cria mecanismos de restrição para uso, produção e comercialização de agrotóxicos e incentiva a transição para sistemas de produção orgânicos e de base agroecológica.
Brasília, 18 de julho – Após mobilização das organizações da sociedade civil que integram a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo), entre elas a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), em repúdio ao lançamento do novo Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) sem propostas para a redução de agrotóxicos, o governo federal adiou seu lançamento para nova data, a ser informada.
A proposta de Planapo apresentada às organizações na terça-feira oferecerá um volume de recursos da ordem de R$9 bilhões para a implantação de ações integradas ao Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), até 2027. Deste total, dois terços são destinados ao Pronaf, iniciativa já anunciada no Plano Safra no início do mês. Contudo, o que frustrou as expectativas das organizações da sociedade civil representadas na Cnapo foi a ausência do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara).
“Quando começamos o debate sobre o Planapo, ainda no ano passado, estabelecemos prioridades, e o Pronara era uma delas”, conta Paulo Petersen, engenheiro agrônomo que representa a Articulação Nacional de Agroecologia na Cnapo. “Agora, os defensores dos agrotóxicos no governo inviabilizaram o acordo para a instituição do Pronara. O Planapo não será lançado hoje, tendo em vista que não houve acordo em relação a pauta dos agrotóxicos e é impossível lançarmos um plano nacional de agroecologia que não contemple a redução dos agrotóxicos na agricultura brasileira. Onde está o bloqueio para que o Pronara seja aprovado?”, questiona Petersen.
O Pronara foi criado na Cnapo há 10 anos, mas nunca chegou a ser implementado. O programa cria mecanismos de restrição para uso, produção e comercialização de agrotóxicos e incentiva a transição para sistemas de produção orgânicos e de base agroecológica. Segundo Petersen,“o Pronara foi criado como uma proposta possível para baixar o consumo de agrotóxicos sem afetar a produtividade, sem afetar a balança comercial do agronegócio, usando um conjunto de princípios ecológicos que podem ser aplicados até em grandes propriedades”.
Dez anos depois, a nova Lei dos Agrotóxicos, recentemente aprovada pelo Congresso, flexibiliza ainda mais o uso dessas substâncias, e o próprio governo federal, por meio do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e outros ministérios que participam das reuniões da Cnapo, manifestou interesse no Programa. Atualmente, 14 ministérios tomam parte nos acordos envolvidos no Planapo e apenas um deles, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), se opõe ao Pronara.
Segundo Mazé Moraes, representante da Contag na Comissão, o Planapo trata da vida e de territórios saudáveis e sustentáveis, do cuidado com a natureza e com as pessoas. “Como um plano de agroecologia não pauta a redução de agrotóxicos no país que mais usa agrotóxicos? Não pode, não aceitamos um Planapo sem o Pronara!”, revolta-se. Para Rogério Dias, presidente do Instituto Brasil Orgânico, “não dá pra pensar num país que está propondo uma transição agroecológica que não proponha uma redução de agrotóxicos”.
Fábio Pacheco, integrante da Rede de Agroecologia do Maranhão (Rama) que também representa a ANA na Cnapo, conta que, atualmente, existe uma guerra no Cerrado Maranhense em torno deste assunto. “Sabe o que é escutar a mãe dizer que viu o seu filho derreter? Não é eufemismo, não tem figura de linguagem, ela falou: meu filho derreteu por seis meses banhado em agrotóxicos ”.
A Rama desenvolve, atualmente, uma campanha para arrecadar cestas básicas para agricultores que tiveram suas roças pulverizadas por agrotóxicos. “Não tem como ter política de saúde, não tem como ter agroecologia, sem ter algum tipo de regulamentação que freie isso. Uma política nacional de agroecologia sem o Pronara não é política de agroecologia”, diz Pacheco.
Flavia Londres, integrante da secretaria executiva da ANA, destaca que, “para um país que pretende ser uma liderança mundial na agenda do clima e também no G20, uma possível decisão do governo de não implementar o Pronara, ou seja, de não se comprometer com a redução de agrotóxicos, compromete a posição brasileira de liderança em agendas internacionais importantes, como a superação da fome, das desigualdades e o enfrentamento às emergências climáticas”.
Londres também alerta que “os agrotóxicos não são uma questão doméstica. A falta de compromisso com a redução de agrotóxicos expõe o governo brasileiro internacionalmente. Considerando que o país é campeão mundial de agrotóxicos, não termos um programa que se proponha a fazer a transição do modelo de produção vai na contramão do que se espera de um governo que pretende ser protagonista mundial nas agendas climáticas e ambientais”, conclui.
Próximos passos
Após o adiamento do lançamento do Planapo, será instaurada na Cnapo uma subcomissão temática sobre o Pronara, para debater o tema e construir caminhos de diálogo com o governo para a inclusão do Programa no Planapo. As entidades da sociedade civil propuseram também um prazo, até o final de agosto, para o lançamento do Planapo. A ideia é chegar a um texto que trate adequadamente a questão, e, para isso, propuseram também a realização de uma plenária extraordinária e um seminário sobre agrotóxicos.