Salvem os índios!
Os povos indígenas estão entre as populações mais vulneráveis ao impacto da epidemia. Em alguns casos, o isolamento geográfico relativamente maior pode protegê-los do contágio, mas os condena à falta ou dificuldade de assistência em caso de contaminação.
A pandemia do coronavírus é a maior tragédia sanitária do século e afeta a todos os povos. Começou na China, avançou para os países mais ricos e agora espalha-se pelos países mais pobres e regiões mais remotas do planeta. Provocou depressão econômica global inédita, desnudou e inverteu políticas de Estado e agravou a situação de miséria, fome e abandono de bilhões de pessoas.
É difícil ranquear essa tragédia, mas os pobres de todos os lugares pagam o maior preço por ela. Os povos indígenas nem sempre devem ser considerados pobres, principalmente quando mantém vivas suas culturas e formas próprias de viver. Mas se incluem entre as populações mais vulneráveis ao impacto da epidemia. Em alguns casos, o isolamento geográfico relativamente maior pode protegê-los do contágio, mas os condena à falta ou dificuldade de assistência em caso de contaminação.
A Frente Parlamentar de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, composta por deputados federais e senadores de diversos partidos e apoiada por organizações indígenas e aliados dos índios, enviou uma carta aberta ao diretor geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, solicitando que reforce orientações específicas para os governos de todo o mundo no sentido de considerarem os povos originários como população de maior risco ao COVID-19 e garantirem condições dignas para a manutenção do isolamento social em suas comunidades, com a proteção dos territórios, além da participação das organizações indígenas nas ações de enfrentamento à epidemia. A carta também solicita a criação de um Fundo de Emergência para os Povos Indígenas para atender às necessidades sanitárias mais urgentes das comunidades. A deputada Joênia Wapichana (Rede-RR), primeira mulher indígena a exercer um mandato eletivo na Câmara, encabeça a lista com centenas de signatários, entre parlamentares, organizações indígenas, da sociedade civil e personalidades públicas.
Joênia também é uma das autoras de um projeto de lei para introduzir na legislação brasileira políticas compatíveis com as solicitações feitas à OMS. Na semana passada, a Câmara colocou o projeto em regime de urgência e a sua aprovação pode ocorrer ainda nesta semana.
Também foi lançada na mídia nacional e internacional uma petição pública, liderada pelo fotógrafo Sebastião Salgado, com um apelo às autoridades brasileiras para evitarem a ocorrência de um impacto genocida da epidemia sobre os povos indígenas. A petição tem o apoio de dezenas de personalidades mundiais e está disponível online na plataforma Avaaz para adesões. Entre os primeiros signatários, estão Paul McCartney, Madonna, Chico Buarque, João Carlos Martins, Meryl Streep, Susan Sarandon, Glenn Close, Juliette Binoche; Brad Pitt, Richard Gere, Sylvester Stallone, Oliver Stone, Wim Wenders, Werner Herzog, Pedro Almodóvar, Alejandro Iñárritu, Fernando Meirelles, Mario Vargas Llosa, Yasmina Reza, David Hockney, Ai Wei Wei, Beatriz Milhazes, Norman Foster, Renzo Piano, Tadao Ando, Jean Nouvel, Rem Koolhaas, Elizabeth de Portzamparc, James Lovelock, Tom Lovejoy, Carlos Nobre, Gisele Bündchen, Naomi Campbell, Albert de Mônaco e Tarja Halonen.
Em todo Brasil, são vistos esforços de comunidades indígenas para garantir seu isolamento e proteção, com a proibição à entrada de terceiros e a subordinação dos próprios moradores que tenham saído dos territórios a regimes de quarentena antes do seu retorno. Inúmeros acessos terrestres, fluviais e aéreos a Terras Indígenas estão bloqueados. Mas há dezenas de outras terras invadidas por garimpeiros, madeireiros e grileiros, assim como há populações indígenas urbanas que mantém contato com as aldeias. Além disso, índios beneficiários de programas sociais e do auxílio emergencial são atraídos para as cidades para sacar dinheiro nas agências da Caixa Econômica Federal, engrossando extensas filas e expondo-se à contaminação. Embora sejamos todos afetados e não faltem tragédias por toda parte, precisamos exigir do governo atenção às demandas emergenciais dos índios, antes que nos reste apenas responsabilizá-lo pelo genocídio à vista.