Recontar nosso passado é disputar o futuro
Ressignificar nossos símbolos, recontar nossa história e reivindicar a força do nosso povo, de maioria feminina, negra, pobre e periférica, como os verdadeiros protagonistas da história nacional, é decisivo para a reconstrução do nosso Brasil
A literatura de uma época reproduz as ideias de sua classe dominante e a história “oficial” do Brasil está aí para atestar a ideia central da crítica literária marxista. Sempre contada a partir da visão de uma elite, branca, masculina e eurocentrada, a nossa história foi marcada pelo constante silenciamento das vozes dos marginalizados e pelo apagamento das violências contra os oprimidos – o povo brasileiro.
A escola de samba Beija-Flor de Nilópolis nos mostrou isso com primor. Com um samba enredo avassalador, a Soberana cantou nesse Carnaval um grande manifesto de exaltação das lutas e resistências do povo brasileiro. No lugar do heroísmo de Dom Pedro, decisiva foi a luta do povo baiano para expulsar os portugueses do território brasileiro no longo processo de Independência do Brasil. Ao invés da bandeira que clama por ideais positivistas de “ordem e progresso”, que sempre sacrificou nosso povo preto, um manto azul e branco que convoca todos ao renascimento.
Ressignificar nossos símbolos, recontar nossa história e reivindicar a força do nosso povo, de maioria feminina, negra, pobre e periférica, como os verdadeiros protagonistas da história nacional, é decisivo para a reconstrução do nosso Brasil. Afinal, somos nós, povo preto, que seguimos resistindo até hoje à marginalização, ao racismo e à exclusão de direitos mesmo quase 350 anos após a Abolição formal da Escravidão.
É urgente disputar o futuro. Como parte da nova geração de mulheres jovens e negras que hoje ocupam a Câmara dos Deputados, tenho um compromisso com a nossa história e com nosso povo preto. Para isso, precisamos apresentar um programa para disputar a sociedade brasileira e uma estratégia de poder nítida orientada pelas demandas mais caras do povo preto brasileiro.
Nesse sentido, a luta pelo cumprimento da Lei 10.639/2003, que tornou obrigatório o estudo da História da África e da Cultura Afro-brasileira – uma vitória de anos de luta do movimento negro – é fundamental para resgatar a contribuição da população negra nas áreas social, econômica e política ao longo da história do Brasil, combater o racismo e a intolerância religiosa. A implementação do ensino da cultura africana e indígena, que veio depois com a lei 11.645/2008, no lugar de uma literatura eurocentrada, que deslegitima outros saberes, é fundamental para a emancipação dos nossos corpos.
Além disso, garantir a continuidade e a ampliação da Lei de Cotas, em conjunto com o fortalecimento de políticas de permanência, é imprescindível para que o acesso ao ensino superior público siga sendo um horizonte para a população negra. E também trabalhar para construir um novo texto que renove e amplie a lei que garante, até 2024, cotas raciais nos concursos públicos.
Se, como diz o samba enredo da Beija-Flor, “heróico é o povo que constrói a sua própria autonomia através da luta”, é tempo de fortalecer a tradição de organização e luta do nosso povo para construir um país verdadeiramente livre e independente. Independente de uma herança colonial escravocrata, do capitalismo internacional e livre da desigualdade, da fome, da opressão e de todo o tipo de discriminação e preconceito. Brasil, quilombo. Brasil, terra indígena. Brasil, das mulheres. Brasil, do povo brasileiro.