Rebeca de ouro!
“Na escada da vida das mulheres negras, faltaram alguns degraus. Foi preciso dar saltos.” E Rebeca deu seus pulos!
Um dos sonhos mais bonitos do Brasil se tornou realidade, e energizou todo o país em plena manhã de segunda-feira (5): Rebeca Andrade obteve a nota mais alta na competição individual de ginástica artística em Paris 2024 – finalizando na frente de Simone Biles, a maior ginasta da história (até agora) – e venceu a final olímpica.
Levei um tempinho para me recompor do choro emocionado e conseguir formular esse texto. Há tanto para ser dito! Aos 25 anos a radiante estrela do Olimpo brasileiro conquistou o disputado ouro na Bercy Arena, em Paris, e eternizou seu nome na realeza do esporte, tornando-se também nossa maior medalhista olímpica de todos os tempos. A beleza de tanta ginga, simpatia e acrobacias impressionantes de Rebeca – que já passou por três cirurgias de ligamento cruzado anterior (LCA) e indicou sofrer muito com o impacto (da perfeição) de suas cravadas – rendeu à ginasta, hoje, um excelente 14.166.
Divertida e genuína, essa jovem que nasceu para vencer demandas e demonstrar excelência acumula seis medalhas e pódios em duas edições dos Jogos: quatro em Paris 2024 (ouro no solo, duas pratas no salto e no individual geral, e um bronze por equipes), e duas em Tóquio 2020 (ouro no salto e prata no individual geral).
Ninguém fez nosso Hino Nacional rodar tantas vezes nas Olimpíadas. E vê-la subir no mais alto degrau, ao mesmo tempo em que era reverenciada por Simone Biles e Jordan Chiles, prata e bronze respectivamente, foi de uma emoção que eu, você e todo mundo que assistiu a cerimônia de medalhas pode se orgulhar de compartilhar. Três pretinhas lindas, e um país em desenvolvimento à frente de uma potência global. Que pódio!
Rebeca nasceu em uma família de poucos recursos, e enfrentou desafios financeiros e sociais que poderiam ter impedido sua prática esportiva. Apesar das dificuldades, sempre teve o apoio de sua família; seus irmãos a levavam aos treinos muitas vezes a pé ou de bicicleta, e assistir à vibração de sua mãe na torcida certamente fez o coração de cada brasileira bater mais forte, e vibrar junto.
Sua jornada é marcada por um esforço imenso em busca de oportunidades, e felizmente com o Bolsa Atleta – programa do governo federal que oferece apoio financeiro a esportistas de alto rendimento – construiu uma linda trajetória, testemunho de sua dedicação e coragem. Este sucesso reflete seu talento e determinação, mas também sua capacidade de transformar adversidades em conquistas extraordinárias.
A diva começou sua série com “End of Time” (Beyoncé), seguiu ao som de “Movimento da Sanfoninha” (Anitta), e finalizou com um trecho do “Baile de Favela” (MC João), levando para a arena não só sua grandeza, mas a cultura das mulheres negras e das favelas brasileiras. Quanto orgulho e admiração, garota dourada.
Me surpreendeu também a narração da TV Globo, que mais de uma vez salientou que este ouro de uma mulher preta tem “a cara do Brasil”. Em 2024, a interpretação global do entendimento de representação e representatividade parece estar se encaminhando para rumos mais justos e diversos. E o ano apenas chegou na metade.
Os dois ouros do Brasil nas Olimpíadas de Paris 2024 são de mulheres negras. Foi a judoca brasileira, a linda e grandona Bia Souza, quem garantiu a primeira medalha dourada do Brasil nos Jogos Olímpicos de Paris, na última sexta-feira (2). No dia da abertura, escrevi sobre participações icônicas de atletas negros nas Olimpíadas através dos tempos, lembrando de Jesse Owens e Melânia Luz, e enfatizando a admiração recíproca entre Rebeca e sua “Casca de Biles” nos pódios. Salientei então, e reforço agora: embora muito se fale no legado olímpico, é o registro de atletas negras nos jogos o que me comove mais. Pelas vitórias, sim. Mas também pela nossa capacidade de estímulo e reverência uns pelos outros. É poderoso assistir estas atitudes neste mundo tão racista, que insiste em nos derrubar. Como escreveu Maya Angelou: a gente eleva!
Rebeca, você é a esperança de uma nação que passa fome e que não teme dar piruetas sobre os obstáculos. Você venceu o racismo, o machismo, usou como poucos as oportunidades que teve, e hoje está no topo do Olimpo. Viva o Bolsa Atleta! Viva o fomento ao esporte nacional! Viva as mulheres negras! E viva você, Rebeca Andrade, nossa inspiração e orgulho, e agora a maior medalhista olímpica da história do Brasil!