Rafael Braga, a situação de rua e a mídia
Preso em 2013 por portar desinfetante, Rafael ficou 2 anos sem liberdade. Os poucos veículos de imprensa que noticiaram o caso não disseram seu nome. Ele não é o único invisível.
Na última quinta-feira, (20/04), o ex-catador Rafael Braga foi condenado há 11 anos e três meses de prisão.
Pego com apenas 0,6g de maconha em 2016, Rafael foi condenado por tráfico de drogas e associação ao tráfico, embora ele tenha dito ao 22º DP da Penha que aquele material não era dele. Em 2013, Rafael foi preso injustamente por portar desinfetante e foi solto apenas dois anos depois.
Os grandes jornais não falaram muito sobre o caso. Inclusive, os poucos que noticiaram, não disseram o seu nome e mantiveram Rafael Braga invisibilizado. Ele não é o único invisível.
Afinal, quando é que uma pessoa em situação de rua aparece em algum jornal e como ela é representada nesses espaços?
Ano passado, as pessoas em situação de rua foram hipocritamente defendidas pela mídia corporativa, pois elas reclamavam – com razão – de algumas das medidas do então prefeito Fernando Haddad. Para derrubar o prefeito, os jornais foram tomados por uma inédita preocupação com o higienismo, noticiando as mortes que aconteciam no inverno e entrevistando pessoas da militância dessa causa. A questão é que todos os anos acontecem mortes nas ruas, independente da prefeitura, e as vidas continuam ignoradas.
São Paulo tem, segundo o último censo de 2015, 15 mil pessoas em situação de rua, e esse número só aumenta.
Isso quer dizer que nas ruas de São Paulo existem mais de 15 mil histórias para serem mostradas, assim como fazemos no SP Invisível.
Porém, elas só aparecem na mídia quando são histórias de modelos, atores, quando tinham bastante dinheiro, pessoas que “não mereciam estar na rua”. Todos os outros que “mereciam estar na rua”, assim como o Rafael, aparecem presos, mortos ou como um número.
Esses dias, Wlademyr Delvechio ficou conhecido pela sua casa embaixo do Minhocão. Ao invés de cobertores e papelão, ele tinha um sofá, armários e criou um ambiente “acolhedor” embaixo do Elevado para sobreviver. Wlademyr deixou de ser invisível há três meses depois de construir sua casa e ser visto até aparecer no jornal, mas toda sua história de antes da casa ainda é invisível, como se ela só começasse a partir dali.
No fim do ano de 2014, Loemy Marques ficou conhecida como a ex-modelo que foi parar na Cracolândia. Alta, loira, rica e branca, Loemy foi capa da Veja e inclusive foi na TV Record para que ela conseguisse ajuda para se livrar do vício e sair daquela situação. Ela conseguiu ajuda, não mora mais nas ruas e toda essa articulação é muito boa. Porém, quantas histórias tão ricas quanto a dela não existem nas ruas?
Esses dias, todos ficaram sabendo pelas redes sociais do “Morador de Rua Hipster”. Jose Antonio, de 55 anos, foi atendido por um salão de beleza e recebeu um tratamento que se tornou um vídeo viral. Em 2015, Rafael Nunes, que estava em situação de rua, ficou conhecido como o “Mendigo Gato”. Até hoje, a grande imprensa fala de Loemy e de Rafael Nunes, acompanham seus sonhos e sua trajetória, enquanto ignoram todas as outras histórias das ruas, talvez porque a maioria delas seja de pessoas negras.
Uma das poucas pessoas negras em situação de rua que teve sua história contada na grande mídia foi o ator Rubens Sabino Silva, que interpretou o traficante Neguinho no filme “Cidade de Deus”. No documentário “Cidade de Deus — 10 anos Depois” que conta como estão todos os atores 10 anos depois do filme, ele questiona, “de que adianta fazer um filme conhecido mundialmente e estar duro?”.
Diante desses casos, fica claro quais histórias interessam para a mídia hegemônica. Para ela, há pessoas que “merecem estar em situação de rua” e as que não merecem passar por isso. Rafael Braga e muitos outros homens e mulheres que estão nessa situação só aparecem quando são criminalizados, mortos ou generalizados, pois para o nosso jornalismo, são vidas que são ignoráveis, “prendíveis” e matáveis.