Por Bella Gonçalves e Jozeli Rosa

“A gente não nasce negro, a gente se torna negro. É uma conquista dura, cruel e que se desenvolve pela vida da gente afora. Aí entra a questão da identidade que você vai construindo. Essa identidade negra não é uma coisa pronta, acabada”, afirmou a filósofa, antropóloga, professora, intelectual e militante do movimento negro Lélia Gonzalez em 1988. Ela e a escritora Maria Carolina de Jesus serão homenageadas com estátuas no centro da capital mineira, sendo as primeiras estátuas de mulheres negras do Circuito Literário de Belo Horizonte em um projeto que foi abraçado pela Secretaria Municipal de Cultura.

Em uma cidade repleta de memória de homens brancos de classe alta, essa é uma forma de resgatar e valorizar a história das mulheres negras, de conquistar espaço e reconhecimento para a nossa negritude. As estátuas são um símbolo que aponta como estamos reescrevendo a história do povo negro em nossa cidade.

As duas estátuas serão inauguradas em junho, em frente ao Teatro Francisco Nunes, no Parque Municipal. Elas estarão em posição de diálogo, manifestando a troca entre mulheres negras.

Trazer essas duas figuras para o Parque Municipal é simbólico porque ali é um espaço público muito frequentado por famílias negras nos dias de lazer. É uma forma das pessoas negras poderem se reconhecer na história dessas duas grandes mulheres. É a representatividade do povo negro finalmente expressa em estátuas de intelectuais, espaço de reconhecimento que sempre foi reservado para a branquitude.

Bella Gonçalves é deputada estadual pelo PSOL e Jozeli Rosa é chefe de gabinete

Também é uma forma de convidar toda a população a conhecer mais sobre essas duas mineiras. Apesar de ser ícone do feminismo negro brasileiro, militante com décadas de atuação e intelectual com diversos livros publicados, sabemos que Lélia Gonzalez ainda não é reconhecida como deveria. Carolina Maria de Jesus, considerada uma das principais escritoras brasileiras, autora de “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”, livro traduzido para 13 idiomas, também ainda não é conhecida para algumas pessoas. Queremos mudar esse cenário, queremos trazer a trajetória e as conquistas das mulheres negras para o debate central da nossa cidade.

Um sonho coletivo

Para chegar até aqui, nossos passos foram coletivos. A provocação veio da militante e jornalista Etiene Martins, que nos procurou para conversar sobre a falta de representatividade nas estátuas de BH. Nosso mandato prontamente aceitou a ideia e destinou R$ 424 mil em emendas parlamentares para viabilizar as obras. Também articulamos junto aos movimentos sociais, à Rede de Mulheres Negras, e em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura para viabilizar as estátuas.

Participamos de um encontro com a família de Lélia Gonzalez, no final de fevereiro, no qual foi apresentado o croqui (esboço das estátuas). Também enviamos uma carta para a família de Carolina Maria de Jesus e estamos agendando um encontro.

Essas duas estátuas são um símbolo na luta antirracista e agora farão parte da luta pelo conhecimento da história do povo negro e periférico. “O maior espetáculo do pobre, hoje, é comer”, escreveu Carolina Maria de Jesus. Lutamos para que essa realidade seja alterada, para que os negros e os pobres tenham protagonismo nos espaços de poder! Viva o legado dessas grandes mulheres, viva Lélia, viva Carolina Maria de Jesus e viva todas as mulheres negras que seguem construindo sua história em Minas Gerais!