Quem bancou o terrorista em Brasília?
“Lobo solitário!” Assim reagiram Jair Bolsonaro e os seus ao atentado suicida praticado por Francisco Wanderley Luiz, aos pés da estátua da justiça cega que fica em frente ao STF
“Lobo solitário!” Assim reagiram Jair Bolsonaro e os seus ao atentado suicida praticado por Francisco Wanderley Luiz, aos pés da estátua da justiça cega que fica em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF). Antes disso, Francisco havia detonado uma das bombas que mantinha no seu próprio veículo, estacionado atrás do STF, em frente ao anexo 4 da Câmara. Ele também deixou, nas proximidades, um trailer com explosivos. Foram encontradas outras bombas na casa que ele alugava em Ceilândia, cerca de 30 km do centro de Brasília.
Muita bomba para um só lobo, não é vero? Sua ex-esposa informou que Francisco pretendia matar o ministro do STF Alexandre de Moraes, a quem ele odiava solidariamente, inspirado em Bolsonaro. O solitário queria, no mínimo, levar o ministro com ele para o inferno. Ao detonar o próprio veículo, mostra-se consciente de que tomava um caminho sem volta. Mas poderia ter levado com ele quem estivesse no estacionamento da Câmara, ou deixando a sessão do STF, que terminava naquele momento.
E o que dizer sobre o trailer? Para quem estariam endereçados aqueles explosivos? Seriam, apenas, um arsenal de reserva? O plano do lobo teria outros capítulos? Outro lobo faria uso deles, assim como de um outro telefone celular encontrado no trailer? Francisco portava o dele, já excessivo para um ato solitário. O avanço nas investigações e, em especial, a perícia nos celulares, poderá revelar uma alcateia.
Nas horas seguintes ao atentado, o STF recebeu vários e-mails anônimos, de pessoas, ou robôs, apoiando Francisco e ameaçando ministros e o próprio tribunal. Fica evidente que a impunidade levaria à banalização da violência.
Cara de pau
Antes mesmo que os restos de Francisco fossem retirados da Praça dos Três Poderes, Bolsonaro publicou uma live tentando se isentar de qualquer vínculo com o “maluco” e pedindo “reflexão” dos líderes políticos, para superar desavenças e promover a “pacificação”. O que, em bolsonarês, significa aprovar a anistia dele mesmo, envolta na cortina de fumaça do perdão aos golpistas do 8 de janeiro. Parece que o atentado exorcizou o Bolsonaro que havia, incorporando nele um anjo pacificador.
O pacifismo do Bolsonaro não deve durar uma semana. Não implica reconhecer e renegar o seu belicismo crônico, contra todos os desafetos, sobretudo o Alexandre de Morais. Também não significa admitir a sua influência maligna sobre o “maluco”. Ele quer, apenas, tirar o corpo fora do desastre bélico e tentar reduzir os danos, inevitáveis, ao seu projeto de voltar ao poder, numa onda de constrangimento público ao Poder Judiciário.
Uma bomba no STF poderia até ser o último passo dos golpistas, como indicam as investigações da PF, mas, jamais, o primeiro, que seria aprovar a anistia no Congresso.
Seria… Ocorre que a situação já estava ruim para Bolsonaro e os estilhaços da bomba minaram o terreno por onde a anistia poderia avançar. Embora tenha obtido algumas vitórias importantes nas eleições municipais, Bolsonaro acumulou desafetos e derrotas, mesmo no campo da direita. A tentativa de chantagem com os candidatos à presidência da Câmara e do Senado, de condicionar os votos do PL à prévia aprovação da anistia, pegou mal e já havia fracassado. Agora, a questão está em como voltar à estaca zero.
A narrativa de tentar reduzir o atentado a um psicologismo, tende a fermentar o próprio campo da direita. O senador Marcos Pontes (PL-SP) o classificou como terrorista, irritando os mais radicais. Cresce, nesse campo, a percepção de que, para ser alternativa consistente de poder, será preciso se dissociar do radicalismo bolsonarista.
Na terça-feira (19/11), a Polícia Federal prendeu cinco militares do grupo chamado Kids Pretos, que planejaram o assassinato do presidente Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro do STF Alexandre de Morais. A operação foi descoberta através de mensagens apagadas, mas recuperadas, do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid. Bolsonaro deveria estar preso, para não continuar inspirando terrorismo e golpismo.
Nesta quinta-feira (21/11), a Polícia Federal concluiu o inquérito sobre a tentativa de golpe de estado e pediu o indiciamento do Bolsonaro e de outras 36 pessoas, entre militares, parlamentares, empresários e até um padre, sob a acusação de tentativa de golpe de estado, abolição violenta do estado de direito e participação em organização criminosa. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, deve examinar o inquérito e apresentar, ou não, a denúncia formal contra os investigados, a ser julgada pelo STF.
Após o atentado desastrado contra o STF, Bolsonaro vem acumulando péssimas notícias. Líderes partidários estão pedindo ao presidente da Câmara o arquivamento do projeto de anistia. Agora, o esperável para 2025 é sua condenação e prisão.
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Outro caminho promissor para investigar o atentado contra o STF é o da grana. Um filho adotivo do Francisco informou que ele, no exercício da profissão de chaveiro, obtinha uma renda mensal de R$ 5 mil. A ex-esposa informou que ele estava em Brasília há quatro meses. É improvável que a sua renda permitisse poupar dinheiro suficiente para permanecer na cidade, com carro próprio, casa alugada, bombas e contêiner.
Francisco não tinha emprego na capital federal, mas pagava regularmente o aluguel, até adiantado, segundo a proprietária da casa. Teve tempo para visitar o STF, de onde postou uma foto, com a legenda “raposa no galinheiro”. O atentado, embora desastrado, foi muito planejado. Ele frequentava gabinetes de parlamentares, sem que se tenha notícia de pautas legislativas do seu interesse.
A casa, na Ceilândia, estava um nojo, o carro era capenga, as bombas eram caseiras, embora mortíferas, e a execução do atentado foi errática, em nada comparável ao profissionalismo dos assassinatos praticados pelo PCC. Mas o lobo não poderia sobreviver, solitário, por tanto tempo, e é muito possível que outras bombas ainda explodam.
Andrei Rodrigues, diretor-geral da Polícia Federal, disse que há indícios de planejamento de longo prazo para o atentado, que não foi um ato isolado, mas derivado do 8 de janeiro e de outros eventos do gênero. Grupos extremistas continuam ativos, o que faz da anistia um convite à barbaridade.