Queiroz, PMs e as tramas golpistas do capitão
Essa notícia veiculada ontem, de que as Polícias Militares do país teriam avisado que, em caso de um impeachment ou de uma ruptura qualquer, estariam do lado do capitão e que se afastariam da sua missão institucional e abandonariam seus governadores, é muito grave.
Essa notícia veiculada ontem, de que as Polícias Militares do país teriam avisado que, em caso de um impeachment ou de uma ruptura qualquer, estariam do lado do capitão e que se afastariam da sua missão institucional e abandonariam seus governadores, é muito grave.
É a revelação da existência de um rio subterrâneo correndo abaixo das formalidades do Estado de Direito como um afluente que irá desaguar em um rio maior, mais profundo, de águas turvas.
Não é exatamente uma surpresa, porque temos visto, nos últimos anos, essa autonomia e desobediência das Polícias Militares em relação aos governadores.
Essa notícia dá uma idéia da amplitude do desvio de finalidade das PMs em todo o Brasil e põe por terra a ideia de que eram fatos isolados.
A democracia é incompatível com essa distorção institucional. Também não existe possibilidade da convivência de uma democracia com a atual violência da polícia no Brasil. Questões que só aparentemente não são faces da mesma moeda.
A violência policial contra populações periféricas e pobres moradores das favelas sempre foi apresentada para a sociedade como algo da própria polícia e não como uma linguagem sistêmica de controle dessas populações.
A sociedade brasileira tem sido leniente e tolerante com a militarização da política. Até os partidos de esquerda, demonstrando que em certos momentos priorizam interesses políticos menores e imediatos. Ainda é frágil o compromisso com a construção e fortalecimento da nossa democracia. Colaboram sem nenhum pudor com essa jabuticaba tóxica, estimulando, promovendo, apoiando e abrigando candidaturas de policiais militares.
A falta de cultura democrática faz com que, neste aspecto, quase todos no nosso universo politico sejam quase iguais.
Além da presença em maior número, após cada eleição, desses policiais nos nossos parlamentos, como se essa promiscuidade fosse natural e normal em uma democracia, temos agora a notícia da politização da corporação em todo o Brasil.
A notícia de ontem revela esse movimento inverso, em vez da desmilitarização das polícias, temos a militarização da política e a politização das corporações policiais.
Temos sido lenientes com a militarização da política e, como consequência natural, a politização de uma instituição do Estado que tem a função de proteger os cidadãos e a ordem pública. Por essa missão exclusiva lhe é autorizado o porte e uso das armas em nome do Estado.
Esta notícia sugere que é como se as PMs deixassem de ser uma força pública para se tornarem uma milícia privada, já sem compromisso com a ordem legal, com o Estado de Direito e a democracia.
O que é mais grave nesta revelação é a possibilidade de as PMs virem a ser utilizadas contra a democracia.
Essa estratégia das polícias como uma força golpista já foi utilizada em alguns países da América Latina. Me veem à mente as cenas do cerco policial para tentar depor o então presidente Rafael Correa, no Equador.
Está ficando visível que, desde o início, a estratégia de Bolsonaro é priorizar uma base social fiel, sinalizando o tempo inteiro só para essa pequena parcela do todo social, sem se importar com a maioria dos brasileiros e brasileiras, polarizando e dando força a uma postura antidemocrática e às posições de extrema direita.
Nem governar, comandar o Estado e o governo para atender às demandas e necessidades do povo brasileiro, ele demonstra o menor interesse. Nem mesmo se sente responsabilizado como chefe da nação para combater uma Pandemia que já vitimou mais de cinquenta mil pessoas no Brasil e que ainda vai se intensificar, matando muito mais gente.
O capitão não tem se importado muito com a “opinião pública” e não tem nenhuma preocupação em disputar politicamente a sociedade. Ele não disse, antes de ser eleito, “que na democracia não se pode fazer nada, nem mudar nada”? Com essa estratégia, Bolsonaro vem perdendo o apoio político de muita gente que poderia fazer parte de sua base, inclusive setores da sociedade que têm uma sensibilidade conservadora e de direita. Parece não se importar com isso, como se já estivesse nos seus cálculos maquiavélicos.
Para muitos, as posições do presidente seriam apenas manifestações e produto de um sociopata burro e mal informado e não acreditam na possibilidade dele, sem deixar de ser nada disso, estar operacionalizando uma estratégia.
Por subestimarem o capitão não conseguem ver que ele está caminhando em outra direção, com outra lógica, e que está preparando outro cenário que não cabe no jogo político democrático.
E, agora, com essa revelação das Policias Militares como força auxiliar golpista, fica clara uma outra faceta da sua estratégia. Ele, que já tem o apoio das milícias, agora conta também com o apoio das Polícias Militares está falando que basta, que já foi tolerante demais.
Essa “base de apoio” já é suficiente para tentar um golpe ou, pelo menos, para chantagear a frágil e debilitada democracia brasileira.
E, se ele conseguir o apoio das Forças Armadas para seus planos autoritários e golpistas, aí estamos diante de um problema muito mais grave.
É isso que Bolsonaro quer e foi para isso que se preparou e se movimenta. Esse é o nexo, a razão de ser, a explicação para todo o seu comportamento. É o subtexto das suas falas, incompreensíveis, em seus objetivos, para muitos.
Essa análise precisa incluir a responsabilidade e o papel do bloco histórico das nossas elites, que está por trás de todo esse processo golpista: o grande capital financeiro, o agronegócio, o setor de serviços e a indústria.
Desde as sombras, através dos seus porta-vozes e operadores, esses setores têm demonstrado interesse que Bolsonaro termine o trabalho sujo na área econômica, no desmonte do Estado e na supressão dos direitos sociais conquistados pela sociedade brasileira.
Os candidatos a representantes políticos das nossas elites, aqui e ali, manifestam desconforto com o lado mais tosco e agressivo de Bolsonaro, mas não demonstram uma incompatibilidade com o capitão e seu governo. Afinal de contas, se trata de um serviçal dos mesmos interesses.
O maior interesse do andar de cima é impor ao país um modelo neoliberal que perdeu quatro eleições e na democracia, no voto. e, por mais relativa que essa nossa democracia seja, é um projeto que dificilmente irá se legitimar.
Perderam quatro eleições seguidas e todas as pesquisas indicavam que perderiam a quinta, com Lula eleito presidente, resultado que impediram na marra.
Recentemente os partidos e políticos de direita e de centro direita, aderentes ou convictos defensores do projeto neoliberal, depois de tentarem atrair a esquerda para fazer parte de uma frente, através de um manifesto pronto, já escrito nos seus mínimos detalhes, que não dizia para onde deveríamos ir.
Tentaram liderar a oposição e ganhar a opinião pública com um manifesto já redigido, tíbio e sem indicar um rumo. Menos de quinze dias depois disseram ser contra o impeachment “porque vai aumentar a instabilidade política no país”.
Eles parecem não entender, ou querem esconder que Bolsonaro, neste momento, tem prioridade como operador dos interesses do grande capital, por essa sua disposição, sem limites, para fazer o trabalho sujo.
A prisão de Queiroz, há décadas um frequentador da cozinha da casa de Bolsonaro e um operador dos crimes da família, com ligações com as milícias do Rio de Janeiro e possivelmente implicado direta ou indiretamente no assassinato de Marielle, significa que Bolsonaro está cercado, sob controle, e vai assim fazer o que o sistema político real quer e suporta, sem suas idiossincrasias e sociopatias particulares.
Ou será afastado antes de 2022.