Donald Trump teve que recuar da posição assumida antes. Aderiu às recomendações dos epidemiologistas e adotou medidas fortes de isolamento para deter a expansão da pandemia do coronavírus pelos EUA, que se converteram no seu novo epicentro global. Teria ele se compadecido do destino trágico que espera os velhos pobres do seu país?

O prefeito de Milão, na Itália, Giuseppe Sala, em fevereiro, apoiou a campanha “Milão não para”, contra políticas de isolamento. Em março, a Lombardia, da qual a cidade é a capital, registrou mais de cinco mil mortos. Sala foi obrigado a reconhecer o seu erro. Mas assume a responsabilidade pelo dano?

Jair Bolsonaro teve mais tempo para se informar e prevenir o Brasil dos impactos mais severos da epidemia, que ele tratou como “gripezinha”. O presidente tentou deflagar a campanha “O Brasil não pode parar”, cuja divulgação foi suspensa por uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF), por falta de fundamento técnico e científico, podendo colocar vidas em risco. Bolsonaro está, neste momento, à margem do esforço do seu próprio governo para enfrentar a crise de saúde, conduzido por um grupo de ministros liderado por Henrique Mandetta, da Saúde, e coordenado pelo general Walter Braga Netto, da Casa Civil.

A pandemia do coronavírus está emparedando ou atropelando os donos do poder em vários países. Inclusive na China, que abandonou a postura inicial de minimizar o vírus para adotar políticas rigorosas até conseguir controlar o problema.

As medidas de isolamento têm sido fundamentais para conter a transmissão do vírus nos países que vêm conseguindo resultados positivos. Desses, só a Coréia do Sul, que optou pela realização de testes em massa, pode orientar mais seletivamente as medidas de isolamento. Todos eles pagam, também, um preço econômico enorme pelo relativo sucesso nesse enfrentamento.

Fato é que os epidemiologistas, em particular, e os demais cientistas e profissionais de saúde, em geral, assumiram papel decisivo na tomada de decisões políticas, mesmo implicando em fortes impactos sociais e econômicos, e mesmo em governos pouco racionais. Pode ser que esse fenômeno tenha acontecido antes em algum lugar específico, mas é a primeira vez que se dá com essa intensidade, em escala global, com bilhões de pessoas em situação de isolamento.

Vale lembrar o papel fundamental e crescente do Painel Internacional da Ciência do Clima (IPCC, na sigla em inglês), da ONU, composto por cientistas de todo o mundo, que publica um relatório anual sobre a situação do clima e orienta providências dos governos, empresas e pessoas para reduzir as emissões de gases do efeito estufa, que provocam o aumento da temperatura média na superfície da Terra, o chamado efeito estufa.

As recomendações dos cientistas certamente influenciam acordos internacionais e políticas nacionais de combate às mudanças climáticas, mas as suas metas e resultados estão muito aquém do que a ciência indica como necessários para evitar as suas consequências mais drásticas. Esse impacto já está se dando, sobretudo em regiões periféricas do planeta, e vai resultar, no médio prazo, em mortes e perdas econômicas ainda maiores que as decorrentes da pandemia.

No entanto com décadas de pesquisas, negociações e acordos, a contenção da mudança do clima não ensejou atitudes igualmente fortes dos governos e das empresas. As emissões globais de gases estufa crescem continuamente e só agora, no contexto do isolamento forçado pela pandemia, deve estar ocorrendo a maior redução de emissões antrópicas de gases estufa da história.

A fatalidade mais iminente da pandemia frente à da mudança climática e sua expansão pelos países economicamente hegemônicos explicam essa diferença. O impacto imediato da pandemia sobre mandatos e governos tornou bem mais custosa a opção de postergar soluções, como acontece frente ao clima.

A pandemia é trágica, mas está tendo o mérito de mostrar que, se os povos assim o exigirem e governos e empresas tiverem que ceder e aceitar os respectivos custos, a humanidade pode, sim, reverter a mudança climática e outras mazelas históricas que tornam sinistro nosso mundo. Porém a lição não é automática e será necessária a mobilização das pessoas para que essas mazelas possam ser efetivamente atacadas antes que a sua letalidade iminente derrube governos ao redor do mundo.