Postei uma foto chorando e olha no que deu!
Venho aqui falar sobre como a tristeza nos feeds, stories e postagens é deslegitimada.
A tela segue molhada de lágrimas. Lágrimas que, embora salgadas, não conduzem eletricidade nas portas lógicas como bits, não são interpretadas em pixels. Lágrimas não são zeros e uns, mas punhados de angústias e ansiedade. Mas as escalas binárias andam matando jovens, adultos e idosos. Venho aqui falar sobre como a tristeza nos feeds, stories e postagens é deslegitimada. Existe uma discussão muito séria no campo da psicologia social sobre o quanto as próprias redes causam a ansiedade, mas por ora não é sobre isso esse texto. É sobre o quanto a tristeza é esquecida como dor legítima através de um grande processo de BIG DATA sem coração. Eu não acho que a alegria nas redes é uma obrigação, não se trata disso. Como publicitária, entendo que a coisa virou muito mais sofisticada. A própria tristeza é um tipo de campanha de mídias sociais, nos tirando o mais puro direito à melancolia.
Mesmo que existam algoritmos capazes de identificar a depressão em fotos do feed, o que eu quero levantar é um mecanismo mais sofisticado de encapsulamento de mercado que transforma a própria tristeza em alimento do produto. Existem dois caminhos para isso: ou a tristeza é caricata ou ela simplesmente não existe. No primeiro caso, a tristeza vira um processo de identificação de mercado com personas de perfil melancólico, que seguem o fluxo caótico do digital. No segundo, a tristeza não é vista na foto, já que a escolhida para ir ao coliseu cheio de leões não é a foto da real tristeza, e sim as fotos de carão que transbordam uma falsa sensação de poder e de superação. Isso tudo é irresponsável, pois tais comportamentos são incentivados por ondas meritocráticas de superação que permeiam o momento pós-capitalista em que vivemos.
Vidas são ceifadas a todo momento como consequência da falta de elaboração de sentimentos como a tristeza. Em tempos pandêmicos, isolamento, depressão, angústia, automutilação, são coisas que podem ser rapidamente glamourizadas e transformadas em uma rede neural cibernética de caminhos de venda. Não podemos esperar empatia de bits. Eles são apenas o ligar e desligar de uma onda de sinais quadrada. Nós humanos devemos impedir esse mercado e lutar por políticas públicas que ensinem educação digital, ou melhor, pensar como nós em sociedade podemos criar um processo de segurança emocional nas redes. Criar soluções educacionais que preparem as pessoas para lidar com essas emoções, principalmente em tempos distópicos. O processo de rede pode ser um canal válido de comunicação, porém gera um desconforto imenso de ansiedade somado aos já processos existentes do mundo embebido em necropolíticas de extermínio. Deste modo, a tristeza é usada como uma outra arma que mata.
Como as redes lidam com isso, existe responsabilidade? Ao resgatar as tags #sadness #sad, encontramos mais de 10 milhões de posts. Posts geram pesquisas, pesquisas geram dados e dados geram números para o mercado. Sabendo que a cada quatro ou cinco posts em redes sociais, um é anúncio, podemos afirmar que o sentimento de tristeza também gera conteúdo mercadológico. O mercado é vasto, e se procurarmos por duas vezes por essas tags, o Instagram nos levará a uma página simpática (não empática), perguntando se precisamos de ajuda. Digo simpática pois é como se fosse um projeto de marketing parte de uma estratégia maior. É uma página diagramada de forma simples que também joga a responsabilidade para o usuário que está em sofrimento, lhe perguntando se quer “falar com um amigo”, “falar com um voluntário da linha de apoio” ou “encontrar maneiras de se ajudar”. Sim, parece que estão preocupados. Mas não, estão se isentando, delegando a responsabilidade para um setor da empresa que tem esse projeto em seu organograma. Assim, podem dizer que estão fazendo sua parte.
De forma perversa, o mercado engole as emoções e as transformam em grandes bolsões de ganhar dinheiro. As redes sociais não são para se comunicar. Na real, elas são geradores de dados. Você já se perguntou por que elas são gratuitas? Se comunicar é olho no olho, mas o medo de fazê-lo assim como a impossibilidade dada pelo distanciamento social atual são alimentadas pelas “facilidades” das redes, que existe um preço a ser pago. Preste atenção à manipulação de caminhos no hipertexto: uma coisa te leva a outra que te leva a gastar no cartão de crédito.
Na selva de bits, ainda não existe um mecanismo estável de identificação de sensações, pois as coisas são conduzidas pelas visualizações. Algoritmos interpretam reações e não o que há dentro de nós. É bem mais cruel e simples do que se parece. Se fotos que aparentam um sentimento que não é alegre são curtidas, elas viram condutoras de um perfil de mercado e tornam a pessoa que as postou em uma “persona publicadora”, incentivando novas publicações com carões. É aqui que quero chegar: não existe obrigação alguma à alegria, mas há obrigação de uma flutuante autenticidade.
Nada disso faz jus ao escritor Allan Poe, cuja melancolia era inspiração. Não há uma biografa poética nisso. Estamos comercializando nossas lágrimas por preços baratos demais, ficando mais pobres e sem direito a elaborar nossa real tristeza, fugindo diante dos fluxos de energia binária, de reais sessões de terapia, de ajuda real para melhorarmos, usando a tristeza das redes como um tratamento paliativo muito tóxico. Precisamos nos desligar das redes por alguns instantes, ouvir uma música, chorar de verdade, viver nossos lutos e tristezas em paz, e não fazer disso uma tag que é jogada aos leões. Precisamos de politicas que orientem as pessoas a lidar com processos de um mundo que não é tão colorido e cheio de luzes assim, porque com certeza o mercado não é formado em psicologia, ele apenas a usa da forma mais safada e perversa possível.
Esse texto teve como revisora minha grande amiga artista cientista: Clarissa Reche