Pés de ingá
Um pé de ingá revela lições de convivência, natureza e aprendizado entre árvores, humanos e tempo.
Falo de uma árvore específica — ou melhor, de duas. Duas árvores maduras, que se encontram nas alturas e formam um único conjunto. Uma delas, muito frondosa, avança com suas raízes para o terreno vizinho. A outra está bem no meio da rua, dividindo a mão que sobe da que desce, e sofre com as podas radicais impostas pela rede elétrica.

Quando cheguei aqui, ainda não havia terrenos ocupados neste trecho da rua, e pude escolher o meu. O perfil é barrancoso e pedregoso, descendo cerca de dez metros entre o fundo e a frente. Os terrenos vizinhos, no nível da rua, mantêm a vegetação rasteira aparada, para evitar que queimadas na seca atinjam o cerrado aberto ao fundo.
Perambulei por baixo e por cima da elevação para observar o relevo, a posição das árvores e identificar a área ideal para construir a casa com o menor impacto possível. O terreno de cima parecia o mais apropriado, mas o pé de ingá bloqueava a vista do horizonte — uma das vantagens de morar em barranco. Optei pelo terreno de baixo, onde vive uma araucária que, por sorte, não encobre o pôr do sol.
Vidas
Deitado em um lado da rede na varanda, vejo o horizonte, o sol descendo e as luzes de uma parte da cidade. Do outro lado, tenho diante de mim a araucária e o ingá. A araucária é uma pintura; o complexo do ingá, uma ponte viva sobre a rua — passagem para aves, insetos e pequenos mamíferos. Logo percebi que essa paisagem é muito mais dinâmica do que a primeira.
As árvores maduras são como divindades: vivem há décadas e ainda viverão muitas mais, sem precisar sair de onde estão. Como a maior parte do reino vegetal, não precisam matar para viver — nutrem-se do sol, do ar, da água e dos minerais.

No período de frutificação, porém, a ingazeira faz muito mais. Sua polpa, macia e nutritiva, envolve as sementes dentro de vagens longas e resistentes. Durante semanas, um espetáculo deslumbrante se repete diariamente. Primeiro, chegam os bandos de aves bicudas — maritacas, papagaios, araras, tucanos. São a vanguarda da trituração: alimentam-se, estraçalham as vagens e deixam sobras no chão. Depois vêm as aves menores, as formigas, os micos durante o dia e, à noite, os saruês.
Escolhas
Hoje, o terreno vizinho pertence a um casal de amigos, zelosos com seus ativos naturais. Talvez o tenham escolhido justamente pela presença do ingazeiro divinamente generoso. Ou talvez ignorem, como eu ignorava, a identidade e os atributos da árvore. Quando os rever, falarei sobre o pé de ingá.
Direi que, provavelmente, a casa deles ficará ainda mais próxima da árvore, permitindo assistir em detalhes ao festival de gastronomia e às travessias que ela abriga. Meus vizinhos terão à disposição um mundo muito vivo — mais interessante até do que a vista do horizonte. Além, é claro, da fruta do ingá.
Enquanto isso, sigo tentando curar minha ignorância arbórea: observo a dinâmica das espécies nativas, as flores, os frutos, tentando educar o olhar para o que não é tão óbvio, mas é extraordinário. E oro para que meus vizinhos, de hoje e de sempre, também aprendam a lição e cuidem bem do pé de ingá.
Em tempo: um terceiro pé de ingá começou a brotar na beira da calçada, na divisa entre os terrenos — um rebento, ao que parece, nascido das raízes de uma das árvores-mães. Vou protegê-lo do bueiro, do meio-fio e de quem queira arrancá-lo. Deve ser o prêmio pela ignorância desfeita.
