Passarinho que come pedra…
Após o assassinato do general Qassim Soleimani, segundo homem na hierarquia iraniana do poder, em questionável ação militar orquestrada pelos EUA, o Itamaraty açodou-se em emitir uma nota, de teor acintoso ao Irã, em que afirmava “apoio à luta contra o flagelo do terrorismo”.
Apesar de minha formação (mestrado em Direito, com concentração na área de Relações Internacionais), quase não escrevo sobre geopolítica. São parcos meus artigos sobre o tema. Mas, é impossível não discorrer sobre o conflito EUA-Irã e o desastroso posicionamento da chancelaria brasileira nesse episódio.
Após o assassinato do general Qassim Soleimani, segundo homem na hierarquia iraniana do poder, em questionável ação militar orquestrada pelos EUA, o Itamaraty açodou-se em emitir uma nota, de teor acintoso ao Irã, em que afirmava “apoio à luta contra o flagelo do terrorismo”.
Ao tomar partido de um dos lados da querela, além de romper com uma tradição diplomática histórica, de mais de dois séculos de multilateralismo, pacifismo, mediação de conflitos pelo diálogo e relações internacionais harmoniosas, o posicionamento arrastou o Brasil, irresponsavelmente, para o centro de um conflito alheio, que nada tem a ver com nosso país, a ponto da Embaixada dos EUA em Brasília emitir um alerta aos americanos radicados em solo brasileiro.
No dia 07 de janeiro, o Irã convocou o representante da embaixada brasileira em Teerã para prestar explicações, o que significa uma reprimenda. Nossa diplomacia suou a camisa para tentar esclarecer que a nota não representava uma posição de reprovação ao regime iraniano.
No mesmo dia, houve retaliação aos EUA com um bombardeio de mísseis dirigidos às bases americanas de Ayn Al-Asad e Erbil, no Iraque. Um dos mísseis iranianos teria atingido um avião civil da Ukraine Airlines, que partia de Teerã para Kiev com 176 passageiros a bordo.
Não apoiar regimes totalitários, de direita ou de esquerda, deveria ser um imperativo para países democráticos. No entanto, uma divergência ideológica ou política de tal natureza não confere a nenhum país o direito de iniciar um conflito com uma nação soberana, com um ato de guerra sem que antes ela tenha sido oficial e formalmente declarada.
Tão atrapalhado quanto iniciar uma guerra ao arrepio do direito internacional é manifestar-se em apoio a um dos lados, levando-se em consideração apenas o “viés ideológico” que o governo brasileiro tanto diz combater, sobretudo se o seu país mantém relações diplomáticas harmoniosas com ambas as nações em conflito.
Ao assassinar Soleimani sem uma demonstração cabal de risco de ataque iminente, o presidente Donald Trump agiu em transgressão ao direito internacional. Ao emitir a desnecessária nota, Bolsonaro e seu abobalhado chanceler Ernesto Araújo agiram com irresponsabilidade para com os interesses do nosso país e, mais grave ainda, contra a integridade física do nosso povo. Ao imprimir retaliação aos EUA, o governo iraniano agiu com absoluta imprudência e imperícia, abatendo um alvo civil. O saldo de uma guerra é sempre um rastro de destruição, mortes e dor.
Além de todas as implicações relacionadas à diplomacia e à segurança nacional, ao adotar tal posição – subserviente, submissa e subalterna – o Brasil colocou em risco relações comerciais sólidas, mantidas com o Irã nas últimas décadas, que têm colaborado com os sucessivos superávits em nossa balança comercial. Segundo levantamento da BBC, “o Irã foi o segundo maior comprador de milho brasileiro, quinto maior importador de soja e sexto maior comprador de carne bovina em 2019”, totalizando cerca de US$ 2,1 bilhões em importações.
Ou seja: em última instância, mesmo que não prospere o conflito (a julgar pelo teor do pronunciamento de Trump na tarde de quarta-feira, 08/01, não prosperará) e mesmo que não sejamos alvos de retaliações militares, o apoio do governo Bolsonaro aos EUA na crise com o Irã ameaça as exportações brasileiras. Burrice pouca é bobagem.