O Vale é do povo do Jequitinhonha e não do lítio
Não podemos deixar que Zema faça negócio com o patrimônio ambiental brasileiro através de um projeto calcado em uma visão de progresso baseada somente em crescimento de mercado
Na América Latina e, principalmente, na Bolívia, Argentina, Chile e aqui, no Brasil, é onde está a maior parte das reservas mundiais de lítio. E Minas Gerais é o estado que concentra a maior parte das reservas nacionais do mineral. Altamente cobiçado para a transição energética, diante do alerta da emergência climática global que vivemos, o lítio e seus derivados são insumos estratégicos para a descarbonização do setor automotivo – uma vez que são usados para a fabricação de baterias de veículos elétricos, uma forma alternativa para o funcionamento dos carros, hoje com motores à combustão.
O Vale do Jequitinhonha é a região do nosso estado palco dessa exploração. Desde abril, a mineradora canadense Sigma Lithium deu início à extração de lítio na mina Grota do Cirilo, localizada nos municípios de Araçuaí e Itinga, com capacidade de produção inicial de 277 mil toneladas por ano. A segunda fase do empreendimento, em andamento e com conclusão prevista para 2024, amplia essa capacidade para 440 mil toneladas por ano.
Sem deixar de lado a importância econômica da exploração do mineral, que vem acompanhada de uma ampla promessa de geração de emprego, renda e a multiplicação do Produto Interno Bruto (PIB), é preciso levantar o debate sobre os impactos ambientais, sociais e culturais na região, marcada pela constante escassez hídrica e maior concentração de comunidades quilombolas do país. É importante também recordar o histórico da mineração no nosso estado, que aqui sempre deixou os empregos de menor qualificação, de menor rentabilidade e de menor remuneração.
Nesse sentido, nosso mandato enviou uma representação ao Ministério Público Federal (MPF) para pedir a fiscalização do projeto Vale do Lítio (Lithium Valley Brazil), de iniciativa do governo do Estado, que visa explorar o potencial do lítio em 14 cidades do Norte e Nordeste de Minas Gerais, dentro de uma perspectiva econômico-social.
Além de solicitar a fiscalização acerca da consulta prévia, livre e informada às comunidades quilombolas da região – um direito fundamental dessas populações assegurado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) –, nosso mandato pediu que assegure o repasse dos royalties da exploração mineral aos municípios afetados, conforme previsto na Lei nº 7.990/89.
Os povos indígenas e comunidades tradicionais dessa região devem ser consultados e informados. A falta de consulta prévia constitui uma violação nos termos da Convenção 169 da OIT.
Em Araçuaí, as comunidades afetadas atingidas são Giral, Malhada Preta e Córrego do Narciso do Meio e abrigam mais de 130 nascentes de rios. A proteção dessas comunidades e a preservação dessas nascentes é crucial para a sustentabilidade ambiental e o fornecimento de água para toda a região, já marcada pelo histórico da escassez hídrica. De acordo com o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) do projeto “Grota do Cirilo”, o empreendimento tem autorização para retirar 150 metros cúbicos de água por hora do Rio Jequitinhonha, o que equivale a cinco caminhões pipa por hora.
Também é preciso assegurar que sejam feitos os repasses da chamada Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) aos municípios. O minério, no Brasil, é um bem da União, e, assim, é o responsável pelo pagamento de royalties a estados e municípios pelo resultado da exploração de recursos minerais. No caso do lítio, por exemplo, a alíquota é de 2% sobre o faturamento líquido. A Lei nº 7.990/89 estabelece expressamente que a remessa da compensação financeira pela exploração de recursos minerais deve ser feita mensalmente com objetivo de garantir a previsibilidade financeira aos entes federados, contribuindo assim para o desenvolvimento socioeconômico das regiões impactadas pela atividade minerária. É fundamental garantir que os recursos provenientes dos royalties sejam destinados prioritariamente ao desenvolvimento das áreas de mineração, com foco na melhoria da infraestrutura, saúde, educação, preservação ambiental e qualidade de vida das comunidades afetadas.
Além disso, o que nos preocupa com o projeto “Vale do Lítio” é que o governador de Minas Gerais está abrindo a região para a mineração visando somente o mercado estrangeiro.
Não podemos deixar que o Vale do Jequitinhonha fique apenas com o rastro da exploração. Para além da exportação da matéria-prima, Romeu Zema precisa garantir estímulos governamentais para investir em tecnologia, pesquisa e inovação, em parceria com o Instituto Federal e as universidades, para que, por exemplo, baterias de lítio destinadas a veículos elétricos particulares ou de transporte coletivo, sejam fabricadas no Brasil.
É preciso agregar valor, gerar empregos melhores e com renda maior para a população. É uma oportunidade de rever o processo de reprimarização de nossa economia e impulsionar o processo de industrialização com produtos de média e alta tecnologia voltados para o mercado interno e externo.
Não podemos deixar que Zema faça negócio com o patrimônio ambiental brasileiro através de um projeto calcado em uma visão de progresso baseada somente em crescimento de mercado.
Como dizia Eduardo Galeano, “nossa riqueza gerou sempre a nossa pobreza para alimentar a prosperidade dos outros. A história do subdesenvolvimento da América Latina é a história do desenvolvimento do capitalismo mundial”.
Para que a história não se repita é preciso que esse projeto coloque o povo de Jequitinhonha no centro das decisões políticas e que as necessidades sociais da região e o equilíbrio ecológico sejam pontos norteadores. O futuro pode ser outro!