O sabor amargo da (não) vingança
Vapt-vupt!!! Foi assim que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), planejou um golpe institucional contra o Ministério Público Federal.
Vapt-vupt!!! Foi assim que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), planejou um golpe institucional contra o Ministério Público Federal.
Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) depende do apoio de pelo menos um terço dos membros da Câmara ou do Senado para ser apresentada. O regimento prevê a constituição de uma Comissão Especial para analisar propostas de emendas constitucionais. A sua aprovação depende de, no mínimo, 60% dos votos, em dois turnos, em ambas as casas legislativas.
Porém, Arthur Lira se apropriou da PEC n° 5/2021, que sequer havia tramitado numa comissão especial, e forçou a sua votação diretamente em plenário, evitando maiores discussões. Nomeou como relator o deputado Paulo Magalhães (PSD-BA), da sua estrita confiança, para formular sucessivos ajustes para facilitar a sua aprovação, mesmo sem maiores discussões.
A pressa é inimiga da perfeição mas, nesse caso, foi amiga da imperfeição. Em uma dezena de versões, mais ou menos escondidas, o relator acabou agravando os problemas suscitados na sua formulação. A PEC pretende ampliar o número de indicados pelo Congresso Nacional na composição do Conselho Nacional do Ministério Público, além de viabilizar a sua interferência em investigações e processos em curso.
Derrota imprevista
Arthur Lira construiu um bloco majoritário, com 300 deputados de vários partidos, amalgamados pelo “orçamento secreto” que garante bilhões em emendas parlamentares. No caso, a PEC n° 5 tem, ainda, deputados do PT como proponentes, o que garantiria uma margem folgada para superar os 308 votos necessários para a sua aprovação na Câmara.
Lira pautou a PEC de sopetão e conseguiu levá-la a votos na terceira tentativa em uma semana. Requerimentos de obstrução, para adiar a votação, foram sendo derrotados por uma margem de 340 votos, sinalizando que haveriam votos suficientes. Porém, na hora H da apreciação do mérito, apenas 297 deputados votaram pela sua aprovação. O resultado surpreendeu a todos.
Lira encerrou a sessão furioso, jurando vingança pela não aprovação da PEC da Vingança: “O jogo só termina quando acaba!”, disse ele, ameaçando recolocá-la em votação, na sua formulação original, após mapear e reverter “traições” para garantir os 11 votos que faltaram para a sua aprovação.
Porém, a formulação original da PEC coloca problemas adicionais quanto à sua constitucionalidade, de difícil correção através dos destaques disponíveis. A Constituição não autoriza votar uma PEC duas vezes no mesmo ano legislativo e, a essas alturas, já seria difícil caracterizar uma nova tentativa como se fosse a continuidade da votação anterior. Lira terá que adiar o fim do seu jogo para o ano que vem, ou forçar a barra e, em caso de aprovação, torná-la mais suscetível de ser derrubada no STF.
Duras lições
Esta não foi a primeira, mas foi a maior derrota de Lira no exercício da presidência da Câmara. Subordinar a atuação do MPF aos interesses corporativos do Congresso Nacional é um imperativo lógico para garantir – ainda mais – a impunidade dos agentes políticos. A crise da Operação Lava-Jato e o apoio do PT criaram a oportunidade para Lira tentar aprovar a PEC mesmo sem discussões.
Ainda que tenha juntado 297 votos, a derrota foi dura para Lira, que tornou-se o todo poderoso com a manipulação do orçamento secreto e o controle crescente sobre o governo Bolsonaro. A rapidez com que tentou encerrar o “jogo” não impediu que se avolumassem manifestações da sociedade civil contra a PEC – que devem ter contribuído, em alguma medida, para a sua não aprovação.
Ficou ruim também para o PT, que votou coeso a favor da PEC, acompanhado pelo PCdoB, mas abrindo divergência com o PSOL e outras forças de esquerda, que foram fundamentais para a não aprovação da PEC. Ao apoiar a politização do CNMP e a interferência no rumo das investigações, o PT colocou os seus interesses corporativos acima dos direitos da sociedade. Optou pela vingança, num momento em que deveria priorizar alianças para superar a atual situação política e fortalecer as instituições democráticas, inclusive o MPF.
No entanto, as lições mais duras do processo que desembocou na PEC n° 5 são para o próprio MPF, seus membros e instâncias colegiadas. Esse processo sobrepôs a escalada da extrema-direita ao poder, formalizada pela incorporação de Sérgio Moro ao ministério de Jair Bolsonaro, derrotas no STF e no Congresso e a imposição de Augusto Aras como Procurador Geral da República, à revelia da instituição. Os 297 votos foram insuficientes para concretizar a vingança, mas também indicam o alto grau de fragilidade política que resultou da sua forma de atuação.
O papel do CNMP é indispensável, mas insuficiente para dar conta da abrangência nacional do MPF, que precisa de instrumentos mais ágeis e pró-ativos para acompanhar e subsidiar o trabalho dos procuradores. Por outro lado, ele deve reforçar a sua capacidade de avaliação estratégica dos interesses sociais, que são diversos e, às vezes, conflitantes.
Olhando de fora da instituição, a impressão que se tem é de que há muito o que melhorar no funcionamento do MPF dentro dos atuais marcos constitucionais. A autonomia dos procuradores não justifica exacerbar o individualismo ou silenciar diante do erro. O MPF deve ter uma agenda própria de supervisão estratégica da sua atuação, de combate ao corporativismo e de processos que reforcem o seu acompanhamento pela sociedade, para não se sujeitar às ameaças de controle político e de inversão das suas finalidades institucionais. Na metáfora futebolística: “Quem não faz, leva!”