O Rio Grande do Sul é mais uma vítima das alterações climáticas: as periferias são as primeiras
Há tempos estamos gritando para que os olhos do poder público sejam voltados para esses locais, onde a maioria dos moradores são pessoas negras, de baixa renda e os mais vulneráveis na cadeia social.
Vivenciamos nesta semana uma verdadeira catástrofe em mais de 100 municípios do Rio Grande do Sul, e o que tem acontecido por lá não é novidade nas favelas e periferias de todo o Brasil. Lamentavelmente, até o momento já são 24 mortes em decorrência das chuvas intensas, e mais de 14 mil pessoas desabrigadas ou desalojadas. E nós sabemos quem são as pessoas que mais sofrem com essas inundações e com as consequências das mudanças climáticas.
Durante o período em que estive à frente da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima da Cidade do Rio de Janeiro, pude desenvolver e gerir projetos que levam mais segurança aos moradores de territórios historicamente esquecidos por gestores públicos, e que são as maiores vítimas do racismo ambiental. É um trabalho árduo e cheio de incertezas, mas que precisa ser realizado em parceria com as comunidades, com as pessoas que habitam esses territórios.
Há tempos estamos gritando para que os olhos do poder público sejam voltados para esses locais, onde a maioria dos moradores são pessoas negras, de baixa renda e os mais vulneráveis na cadeia social. O relatório do Laboratório Integrado de Geografia Física Aplicada (Liga), da UFRRJ, mostra que a região Norte do Rio de Janeiro, por exemplo, é a mais quente de toda a capital fluminense. Adivinhem qual é a cor da pele da grande maioria das pessoas que moram lá.
Os complexos do Alemão, da Maré e da Penha, localizados na região Norte, são os mais quentes, levando em consideração tanto a temperatura da superfície, captada por satélites, como a do ar, registrada por aferições de campo. Esses dados são reflexo dos tipos de construção nessas comunidades, com pé direito das residências extremamente baixos e, além disso, precisamos ressaltar que as casas de regiões mais ricas, possuem mais cômodos e com arejamento melhor que as periféricas.
Existe um outro ponto da cidade que se compara a essas temperaturas: a Zona Oeste do Rio. Por lá, bairros como Padre Miguel e Santa Cruz também estão no topo das altas temperaturas e, adivinhem, mais uma vez, qual a cor da pele das pessoas que moram nesses bairros? Sim, a grande maioria também são pessoas negras.
Para se ter uma ideia do tamanho do problema climático envolvendo as regiões periféricas, setembro de 2023 foi o segundo mais quente dos últimos 20 anos. O mês que inicia a primavera só ficou atrás do ano 2000 em alta temperatura, atingindo 24,7 graus na Zona Norte carioca. Os dados são do Instituto Nacional de Meteorologia, que também sinaliza que os meses de julho e agosto do ano passado registraram as maiores temperaturas para cada mês, com os termômetros do INMET atingindo a marca de 36,5ºC em julho e 38,7ºC em agosto, na mesma região.
É preciso olhar com carinho para essas regiões, sabendo que a resolução de um problema nos bairros considerados nobres não pode ser a mesma oferecida a esses territórios. Precisamos estar atentos a toda essa movimentação para saber diferenciar “o joio do trigo”.