O regime de capitalização e o empobrecimento do trabalhador
No regime de capitalização, o trabalhador passará a contribuir sozinho para uma espécie de conta individual.
O regime de capitalização sugerido na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 06/2019 – da reforma da Previdência – é extremamente cruel e perigoso. Ao propor sua institucionalização, o governo acaba com o regime atual de repartição simples (solidário e redistributivo) em favor de um sistema em que a contribuição patronal deixa de existir, assim como a contribuição do empregador para o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS.
No regime de capitalização, o trabalhador passará a contribuir sozinho para uma espécie de conta individual. Os recursos dessas contas estarão vinculados à fundos de investimento que, por sua vez, aplicam-nos no mercado financeiro. Se considerarmos as taxas médias de inflação e de rendimentos dos fundos de investimento de previdência privada nas últimas três décadas, veremos que o rendimento destas contas individuais de capitalização, acumulado ao longo dos anos – proporcionais às suas modestas contribuições – serão muito pequenos. Não seriam suficientes para que uma aposentadoria daí decorrente chegasse a um valor superior a 40% do valor do salário da ativa dos trabalhadores.
Além disso, devemos lembrar que o modelo atual da previdência é de contribuição e benefício futuro definidos.
Você sabe com quanto você contribui e o quanto você vai receber quando se aposentar. O tal regime de capitalização é de contribuição definida, mas, nada diz sobre o valor dos benefícios. Ou seja, você sabe com quanto será obrigado a contribuir todo mês, mas não sabe quanto vai receber na época em que se aposentar. O ganho futuro é indefinido: o valor do benefício vai depender das flutuações e variações do instável mercado financeiro, do rendimento dos fundos onde o seu recurso será aplicado. Isso quer dizer que, se a economia fraquejar e as aplicações dos fundos forem de risco e não renderem o esperado, o valor da aposentadoria, pensão ou benefício da inatividade poderá ser inferior a 30% do valor do salário da ativa ou até zero!
Não bastasse isso, com o passar dos anos, sem a regra constitucional de reposição das perdas inflacionárias para os benefícios acima do salário mínimo pagos a aposentados e pensionistas da iniciativa privada e do setor público – que hoje ocorre pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) e que a PEC da reforma propõe retirar da Constituição Federal – a perda chegará a 30% do poder de compra do início de recebimento da aposentadoria, ao longo de cada década.
Significa dizer que a sua aposentadoria ficará um terço menor a cada período de 10 anos, ainda que o seu valor nominal se mantenha inalterado.
No atual regime de repartição simples, o que o trabalhador da ativa paga hoje serve para custear os benefícios de quem já está na inatividade. Quando instituído o regime de capitalização, o Estado deixará de arrecadar para o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) as seguintes receitas previdenciárias: 1) o valor correspondente a contribuição do empregador, também chamada de cota patronal, que deixará de ser obrigatória; 2) o valor correspondente à contribuição do trabalhador, que passará para as contas individuais de capitalização de cada um e não mais fará parte da conta única do regime geral ou dos regimes próprios de previdência social.
A partir dessa constatação, analisemos os dados do ano de 2018: segundo a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) da Receita Federal do Brasil, o total de despesas com as aposentadorias do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) foi de R$ 716 bilhões.
O déficit foi de R$ 190 bilhões. Deduzindo o déficit do total da despesa, concluímos que a receita previdenciária no ano de 2018 foi de R$ 526 bilhões.
Isso quer dizer que o INSS, órgão gestor do RGPS, deixará de arrecadar, de uma hora para outra, uma receita equivalente a R$ 526 bilhões ao ano. Em dez anos teríamos uma perda de receita no montante de R$ 5,2 trilhões. Esse seria o tal “custo de transição” com que o governo terá de arcar na passagem de um regime (repartição simples) para outro (capitalização). Cinco vezes mais do que o governo alega que irá economizar no mesmo período (R$ 1 trilhão) com as mudanças apontadas na PEC da reforma. Isso sem considerar as receitas e despesas dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), da União e dos Estados.
A pergunta que não quer calar é: quem arcará com essa diferença? De onde virá o dinheiro para os tais “custos de transição”? Não há resposta. A falácia é tamanha que é provável que, quando a PEC for aprovada, o Governo Federal libere recursos oriundos de outras fontes aos estados e municípios, de modo a dar a impressão que a reforma surtiu efeitos positivos imediatos. E o país inteiro acreditará que a reforma foi boa para o Brasil. Ocorre que os seus efeitos perversos somente serão sentidos a longo prazo, daqui a duas ou três décadas. Daí, já será tarde.
Enquanto isso, as instituições financeiras e o sistema bancário estarão bamburrando de dinheiro, pois serão eles que administrarão as contas individuais de capitalização de cada trabalhador, algo em torno de R$ 175 bilhões ao ano.
O mercado, seus empresários e empregadores também estarão felizes, pois terão maior margem de lucro uma vez que deixarão de depositar duas de suas contribuições hoje obrigatórias: a cota patronal e o FGTS.
E o trabalhador? A chantagem previdenciária e a propaganda mentirosa e milionária do Governo Federal são tão ostensivas que, infelizmente, a maioria deles continua – e, talvez, continuará – acreditando que a reforma da Previdência é necessária, pois cortará privilégios, assegurará sua aposentadoria no futuro e fará o Brasil retomar o caminho do crescimento econômico. Mas, quem conhece e se aprofunda no tema constata que reforma foi proposta apenas para atender aos interesses do mercado financeiro. Não é de se estranhar, afinal, o ministro Paulo Guedes (Economia) é banqueiro.