O Nazismo que ninguém viu
A ideia de uma “raça superior”, implícita no nazismo, estava também implícita nos colonizadores
Por Juan Manuel Domínguez
No final do século XV, segundo Darcy Ribeiro, na época em que os conquistadores europeus chegaram à América, havia aproximadamente 70 milhões de indígenas no continente.
Um século e meio depois, segundo a mesma fonte, havia apenas cerca de três milhões e meio de indígenas, ou seja, homens e mulheres que, depois de concluída a conquista da América, ficaram na miséria por não poderem usar e desfrutar das terras comunitárias que ocuparam durante séculos.
Essa “diminuição acentuada” da população nativa da América levou muitos a sugerir que um verdadeiro “genocídio indígena” ocorreu no continente, uma vez que os conquistadores europeus implementaram uma série de práticas que, tragicamente, resultaram no extermínio quase completo dos povos indígenas. A população que habitava o continente naquela época, tanto pelas condições subumanas em que era tratado, quanto pelo suicídio em massa que existia em muitas comunidades nativas, quando vislumbraram que a miséria e escravidão eram seu destino.
Muitos são os textos que estudaram e explicaram os extermínios indígenas durante a conquista da América; um deles é identificado como “A Conquista da América” escrito por Antonio Espino López. Onde o autor, especialista em História Militar, expõe o processo colonizador por parte de Hernán Cortés; dando o exemplo de suas práticas e técnicas sangrentas.
Assim como as cruéis batalhas e suas armas; O que mostra que esses eventos foram apenas arquitetados por uma mente criminosa; Bem, eles descrevem estupros, massacres, assassinatos, feridas tratadas com óleo fervente, assassinatos e amputações diversas.
No caso da América do Norte, a conquista foi feita pelos saxões da Inglaterra; que foram muito mais pragmáticos e radicais e não tentaram chegar a nenhum tipo de acordo como os espanhóis. Movendo-lhes apenas a sua grande ambição de apoderar-se do ouro e de todas as riquezas que encontraram naquelas terras; lutando até que a população foi reduzida a apenas 1000 indígenas em 1624.
É injusto concluir o pensamento e sobretudo difundir a crença de que a conquista da América pode ser separada dos extermínios indígenas; já que em todos os territórios do novo mundo, a população nativa diminuiu quase 90% por cento. A principal causa disso, a resistência dos indígenas e as epidemias que os europeus trouxeram.
O holocausto na América chegou a provocar alterações no clima mundial
Especialistas apontam que as mudanças no uso dos campos – estimam que 56 milhões de hectares foram abandonados – levaram a um novo crescimento das florestas e à redução dos níveis de dióxido de carbono (CO2), o que, por sua vez, contribuiu para o resfriamento da Terra em cerca de 0,15 graus Celsius no final do século XVI e início do século XVII.
“A Grande Morte dos povos indígenas das Américas levou ao abandono de terras suficientes para que o sequestro de carbono terrestre resultante tivesse um impacto detectável tanto no CO2 atmosférico quanto nas temperaturas globais do ar na superfície”, explica Alexander Koch, principal autor da análise , em um comunicado.
O Great Dying foi causado pela chegada de europeus e a introdução de novos patógenos no continente. Junto com a guerra e a escravidão, houve uma epidemia de doenças como varíola, sarampo, gripe e cólera que dizimaram 90% da população local.
A alteração de temperatura resultante coincide, dizem os pesquisadores, com a “Pequena Idade do Gelo”, um período que a NASA situa entre 1550 e 1850 com três períodos particularmente frios: um começando em 1650, outro em 1770 e o último em 1850, cada um separado por intervalos de ligeiro aquecimento.
No entanto, até que os governos americanos confisquem os territórios tomados ilegalmente por indivíduos há séculos e os entreguem aos povos indígenas, estes permanecerão submersos em situação de insegurança jurídica, pois, sem que o Estado lhes conceda títulos definitivos de propriedade, e sob os parâmetros do direito ocidental, os descendentes dos nativos da região jamais serão reconhecidos como legítimos proprietários das terras que habitam.
Fomos acostumados a ver o nazismo como a pior barbárie humana que o mundo já viu. A maquinaria de propaganda e construção de sentido em mãos das metrópoles do norte produziu milhares de filmes que retratam, desde inúmeros ângulos, os horrores do holocausto perpetrados contra o o povo judeu. Porém, a maior de todas as barbáries, conhecida como “colonização”, segue sendo ainda hoje naturalizada como um episódio “civilizatório”. Outro “holocausto” de que não se fala é o cometido também pela Europa “educada” (Portugal, Inglaterra, Espanha, França, Holanda e outros) e também com o “silêncio cúmplice” (neste caso a cumplicidade foi muito ativa) de a Igreja Católica e outras igrejas cristãs, escravizando os nativos americanos e depois destruindo a África com o tráfico de escravos.
O holocausto negro
Cerca de 10 a 12 milhões de homens, mulheres e crianças africanos foram sequestrados de suas casas. Eles foram forçados a marchar até 1.000 milhas para o mar. Eles foram deixados em prisões subterrâneas por até um ano.
Pessoas sequestradas foram colocadas sob os terraços como carga em 54.000 viagens de navios negreiros para as Américas. Muitas vezes eram acorrentados sem poder se mover. Eles tiveram que se deitar em suas fezes, urina e vômito durante a jornada de 60 a 120 dias. Essas viagens, chamadas de “Passagem do Meio” foram uma das maiores migrações forçadas de toda a história.
Quando chegaram na América, homens, mulheres e crianças – até bebês – foram colocados a leilão nos mercados de escravos. Eles foram tratados pelos compradores como gado. Os compradores cutucavam, empurravam e olhavam boquiabertos para eles. Alguns compradores forçaram os cativos a se despir para que pudessem ver se tinham algum defeito. As crianças eram muitas vezes vendidas e separadas de seus pais, e os homens de suas esposas.
As colônias originais aprovaram códigos de escravos. Essas leis reservavam a escravidão apenas para pessoas de origem africana. Havia também leis de escravos fugitivos que tornavam mais fácil para os proprietários capturar fugitivos – ou até mesmo forçar negros livres à escravidão.
O extermínio da língua, da história, da arte
Assim como os nazistas fizeram com a comunidade judaica, os colonizadores enxergaram com desprezo mortal a arte, a língua e a cultura americana e africana como um todo. A visão era clara, tratava-se de culturas perversas que se opunham aos valores cristãos de amor e compaixão, e por isso precisavam ser exterminadas das formas mais cruéis possíveis. A tortura, o assassinato em massa, o saqueio do património cultural, a proibição de utilizar a própria língua e a imposição das línguas europeias, com o apoio estratégico, moral e fático da igreja, que fez possível que o processo fosse mais letal e ágil. Os próprios relatos dos colonizados, assim como dos líderes religiosos da época são testemunha da ideia de estar expurgando o território americano e logo africano, para a posterior ocupação de pessoas provindas da Europa. O casamento entre indígenas ou africanos e europeus foi terminantemente proibida, sob pena de morte, até meados do século XIX.
Arte saqueada, um crime que continua impune
Países como Bolívia, Nigéria, Congo, México, por citar somente alguns, ainda hoje reclamam pelas obras de arte, esculturas, totems religiosos, que foram saqueados durante a invasão europeia e que ainda hoje são exibidos em museus na Europa, negando o direito dos países de origem desse patrimônio a disponibilizar deles para recuperar parte da sua memória cultural e política. Museus na Inglaterra e na França argumentam que essas obras ficarão melhor conservadas longe dos verdadeiros donos, e se negam terminantemente a doar os lucros que obtém das exposições realizadas. Isto continua a acontecer hoje, no século XXI.
O Nazismo que ninguém viu
A ideia de uma “raça superior”, implícita no nazismo, estava também implícita nos colonizadores. Porém, a sensibilidade com o genocídio, com o saqueio, com a invasão e apropriação de terras, com o extermínio de culturas é infinitamente inferior quando se fala do holocausto americano e africano, em relação com a sensibilidade que se tem ao respeito do holocausto judeu. Lembrar que todos foram episódios de crimes contra a humanidade é lembrar que ainda hoje os povos prejudicados esperam pela reparação histórica que nunca chega.
A produção de filmes sobre o holocausto judeu é infinitamente superior à produção de filmes que retratam o horror acontecido na América e na África em nome do Deus cristão e da civilização ocidental. E isto é tão assim, que qualquer adolescente hoje sabe de cabeça os países envolvidos na segunda guerra mundial que enfrentaram o nazismo, mas pouco se sabe sobre a heroica resistência dos Mapuches ao império espanhol sob liderança do Lautaro, sobre a história da Bartolina Sisa que foi uma heroína indígena Aimara, quem assumiu um papel muito ativo na guerra contra os espanhóis, dirigindo batalhas junto com seu marido e tendo no comando do exército Aimara. Bartolina foi torturada, enforcada e esquartejada pelos espanhóis. Sua cabeça e membros foram exibidos nos lugares onde ela lutou. Huatey, Anakona, Cauauhtemoc, Nicarao. Alguns nomes dos bravos guerreiros que lutaram contra a barbárie e o saqueio europeu.
Que o dia 12 de outubro seja para lembrar a dívida que a Europa tem com praticamente todo o resto do planeta. Que a noção de civilização seja ressignificada, que possamos inundar nossos espaços académicos com as histórias dos povos que habitaram essa terra e dos que foram forçados a vir, para construir aos poucos a reparação histórica que algum dia o planeta irá testemunhar para equilibrar de vez a balança da justiça.