O luto como potência política: Aprender a chorar a floresta
Chorar a floresta não paralisa, o luto ecológico é força política e condição para uma ação climática verdadeira
Chris Zelglia, da Cobertura Colaborativa NINJA na COP30
O Brasil é uma nação que teve que aprender a lidar com suas dores em silêncio. Desde a época da escravidão até o genocídio dos povos indígenas, passando por inundações e queimadas, acumulamos perdas sem rituais, sem interrupções e sem reconhecimento. No entanto, o luto não é atraso; é um processo de reflexão. É a chance de converter a dor em significado, e esse significado em ação.
Quando discutimos a crise climática, ainda nos referimos à devastação como um problema técnico, e não como uma perda emocional. A floresta que se queima se torna um número; o rio poluído se transforma em dados; o território arrasado é visto como uma porcentagem. Sem lágrimas, sem presença física, sem a experiência vivida do mundo.
Entretanto, os povos indígenas, as comunidades ribeirinhas e os quilombolas têm conhecimento que a sociedade urbana do Brasil se recusa a lembrar: a Terra não é apenas um recurso, é um ente querido. E quando um ente querido falece, é necessário um ritual. É essencial confrontar a dor para poder continuar vivendo.
O que frequentemente é chamado de paralisia climática é, muitas vezes, apenas um país emocionalmente incapaz de sentir. Sob um estado de anestesia gerado pela produtividade, pelo capitalismo emocional e pela ilusão de um crescimento interminável, não percebemos que estamos de luto e que ignorar esse luto é continuar imobilizado.
O luto, quando experimentado em conjunto, não causa estagnação. Ele reinventa forças, refaz conexões e nomeia aquilo que perdemos. Só é viável defender a floresta quando somos capazes de chorar por ela.
Se não lamentamos pela floresta, não a defendemos. Negamos o luto e chamamos essa recusa de progresso.
Quando o Brasil converte a destruição ambiental em estatísticas, dificulta o reconhecimento social da seriedade da perda. Isso gera indiferença, cinismo e uma política climática desconectada, literalmente sem substância, sem pessoas.
Para aqueles que veem a Terra como um parente, o luto se torna um ritual, uma aprendizagem e uma continuidade. Não há estagnação, mas sim uma memória viva, uma reinvenção da comunidade.
Enquanto o Estado considerar o luto ecológico como algo meramente sentimental, continuará a criar políticas superficiais, desprovidas de profundidade emocional e justiça ambiental. É necessário que a política climática reconheça o sofrimento como parte da luta, não como um sinal de fraqueza. Devemos permitir que a dor coletiva se converta em ação, cuidado e uma responsabilidade compartilhada. Lutar pelo clima é também considerar nosso mundo interno, lamentar a floresta para defendê-la, respeitar aqueles que a cuidam há gerações e estabelecer uma ecologia que incorpore corpo, memória e afeto.
*As opiniões expressas neste artigo são de inteira responsabilidade do autor, produzidas durante a cobertura colaborativa da COP30.