O insustentável peso da ignorância
Por fim, aconteceu o desfecho da novela protagonizada no governo brasileiro, pelo presidente e o seu ministro da saúde, despedido nesta quinta-feira, 16 de abril de 2020. O desfecho não poderia ser pior para a saúde do povo brasileiro em momento tão dramático.
Por fim, aconteceu o desfecho da novela protagonizada no governo brasileiro, pelo presidente e o seu ministro da saúde, despedido nesta quinta-feira, 16 de abril de 2020. O desfecho não poderia ser pior para a saúde do povo brasileiro em momento tão dramático, quando se observa o crescimento dos casos de contaminação e a trágica evolução do número de óbitos devido à pandemia, provocada pelo Covid-19, sem que o país tenha sequer se aproximado do pico da doença.
Em linguagem popular, não se poderia dizer que o presidente trocou seis por meia dúzia, quando obriga o paciente – no caso o povo brasileiro -, a trocar de médico para fazer valer o trocadilho infame a uma fala do agora ex-ministro quando este afirmou que o médico não abandona o paciente. Em que pese a passado do ex-ministro, e a sua relação explícita com o negócio da saúde e a defesa dos interesses dos planos privados, seja como médico, diretor de um desses planos ou como deputado, fica dele a imagem do gestor público que vestiu colete azul do Sistema Único de Saúde (SUS), durante todo o processo de combate à doença, enquanto foi ministro.
Exemplos negativos não faltam para a sua conduta enquanto parlamentar, desde quando empunhou a famigerada placa “adeus querida” em referência ao voto a favor do impedimento de Dilma Roussef, fazendo coro ao conjunto de classe que perseguiu a presidente com a mesma desfaçatez que perseguiu os médicos cubanos do Programa Mais Médicos, agora, como nunca, tão necessários nas pequenas cidades, vilas e aldeias do país. Impossível esquecer que o ex-ministro votou a favor da PEC da morte, aprovando a Emenda Constitucional do Teto dos Gastos Públicos e a reforma trabalhista do governo golpista de Temer, colocando ainda mais em risco estrutura já precária da saúde dos brasileiros, terceirizando os interesses do setor para o privado.
Senões biográficos a parte, cabe o reconhecimento ao ex-ministro pelo trabalho que tentou realizar frente ao covid-19, e o enfrentamento que fez ao mandatário do país até o desfecho da sua demissão. Espera-se que ele tenha aprendido a lição: que doravante faça valer o juramento que fez a Hipócrates e, que, o novo acessório – o colete do SUS -, seja incorporado ao seu vestuário médico.
Quanto ao outro protagonista da contenda, ou da novela, resta quase nada a acrescentar, visto que o seu desserviço à saúde pública são patentes, que o diga o coro dos descontentes batendo panelas diariamente pelo país. Intriga, apenas, a insistência nos fake news, agora apontados aos remédios apresentados como miraculosos: primeiro a cloroquina e, agora, um vermífugo com o estelar nome fantasia: Annita. Fica a pergunta: como pode alguém que nega peremptoriamente a letalidade de um vírus, que se propaga de forma pandêmica, de uma hora para outra virar propagandista de remédios capazes de curá-lo?
Enquanto o Brasil carrega nas tintas de um enredo de novela no governo que tende à tragédia, Portugal consegue mitigar o contágio e poupar vidas com o isolamento social responsável e civilizado. Trata-se de um exemplo de sociedade e Estado que funcionam, e se respeitam. Falta muito, é verdade, o covid-19 não dá tréguas e continua a causar sofrimento e mortandade pelo mundo, mas não será possível conter a pandemia sem que as pessoas compreendam a importância de estar em casa, protegidas, com seus familiares ou consigo mesmas, em harmonia e recolhimento necessário.
Também não será possível eliminar o vírus sem que o Estado assuma as suas responsabilidades, executando políticas com o foco exclusivo na doença, cuidando dos enfermos de forma incansável, e de suas equipes de saúde na linha de frente da luta contra a morte. É papel das Universidades e dos centros de pesquisa e tecnologia fazer o mesmo, porque as soluções existem e a ciência, desde 1796, com o desenvolvimento da primeira vacina contra a varíola, pelo britânico Edward Jenner, tem o caminho das pedras para erradicar a doença.
Até lá a prudência e o isolamento social serão ainda os principais remédios, queiram ou não os criacionistas e negacionistas, para não dizer os boçais, que acreditam que o dinheiro e a economia vão resolver a pandemia, como se fosse possível combater a doença como os mesmos costumes que aplacam às suas angústias e neuroses, com o consumo desenfreado e compensatório ali no shopping da moda.
Em tempos tão confusos e nefastos, um sinal de luz – ainda que tênue no fim do túnel -, nos obriga a mirar no exemplo de Portugal e a compreender a importância da saúde pública: as razões pelas quais os sistemas universais de saúde devem ser valorizados, e porque a saúde nunca poderá ser tratada como negócio.