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Em alguns momentos da história surgem novos fenômenos políticos de forma mais rápida que o pensamento crítico dos intelectuais e organização dos trabalhadores conseguem acompanhar. Com o bolsonarismo, me parece, acontece o mesmo. Até março desse ano a maioria dos intelectuais, partidos políticos, movimentos sociais e “formadores de opinião” consideravam que Bolsonaro teria uma expressiva votação, mas não teria chance de vencer. Não só venceu a eleição presidencial, como o bolsonarismo se tornou a força comandante do sistema político brasileiro desbancando o PT e o PSDB. Uma das grandes dificuldades de compreender o que representa essa “nova” extrema-direita brasileira é que ela se move sob uma constante cortina de fumaça: falsas pautas e debates para esconder o que é central na economia, política, condução do Estado e política externa.

Alguns coisas, porém, já sabemos com clareza. Uma delas é que o bolsonarismo representa a continuidade da ofensiva de classe burguesa iniciada com o Governo Dilma e seu ministro Joaquim Levy, aprofundada com Michel Temer e agora radicalizada com Bolsonaro sob a “legitimidade” das urnas. É um projeto da burguesia interna sob o comando do imperialismo estadunidense que visa intensificar a superexploração da força de trabalho (retirando qualquer resquício de direito trabalhista), aprofundar a privatização dos bens públicos e das riquezas naturais, destruir completamente os direitos sociais (completando o serviço da EC -95/2016, conhecida como PEC da MORTE), despedaçar a soberania nacional e aprofundar, como nunca antes na história desse país, a dependência e o subdesenvolvimento. Todas essas contrarreformas socioeconômicas exigem, é claro, uma radical transformação do sistema de dominação política tornando-a ainda mais autoritária, violenta e repressiva – uma ditadura aberta do grande capital com fachada constitucional.
Para distrair o conjunto dos trabalhadores das consequências desse programa antinacional e antipopular, é fundamental desviar constantemente a atenção pública para temas secundários, laterais, brigas paroquiais. Aprofundando a arte que obteve êxito na eleição (quando em um país com 14 milhões de desempregados, o tema central das eleições foi “Kit Gay”, “doutrinação nas escolas”, Venezuela, “mamadeira de piroca” etc.), o futuro governo Bolsonaro e seus associados, especialmente seus filhos, atuam nas mídias sociais – como Twitter, Instagram, Facebook – provocando, diariamente, falsos debates. A postura de adolescente “hater” na internet do presidente eleito e seus colaboradores não deve ser interpretada como sinal de despreparo de um deputado medíocre (embora Bolsonaro seja realmente medíocre e burro, no sentido pleno da palavra), mas como uma tática de comunicação, até esse momento bastante eficaz, que visa criar uma cortina de fumaça sobre os temas fundamentais.

Recentemente, fui usado como uma matéria-prima para a cortina de fumaça típica do Bolsonarismo. Compartilhei um twitter com uma piada que dizia “sacanagem jogar ovos podres na cara de Bolsonaro que fica na rua…” e em seguida, vinha um endereço (que não faço ideia se é real). Dois dias depois o site “República de Curitiba” lança uma matéria com o título “militante do PCB incita ato de vandalismo contra residência de Bolsonaro”. Em um episódio digno do teatro de José Serra atingindo pela bolinha de papel e da “grávida” de Taubaté, os filhos de Bolsonaro e o próprio presidente, compartilham a notícia como “prova” de que a vida do presidente é ameaçada por uma esquerda violenta e intolerante – ovos podres: a maior arma de destruição em massa da humanidade.

Várias páginas no Twitter e Facebook compartilham a “matéria” com o mesmo discurso e outras personalidades do circo da direita, como Alexandre Frota e Lobão, também divulgam a “horrível ameaça” contra a vida do presidente.

Bolsonaro e seus associados passam todo dia 24, em pleno natal, circulando a matéria em todas as suas redes. Vídeos e mais vídeos são criados no Youtube com a notícia bombástica: “militante do PCB ameaça a vida de Bolsonaro”. Um exército de bolsominions loucos marca a Polícia Federal e passa a proferir ofensas racistas e ameaças de morte contra minha vida.

Alexandre Frota passa todo dia 25 no Twitter me xingando e convidando para um duelo físico, onde segundo o ex-ator pornô, eu iria “entrar na porrada”. A Revista Fórum, repercute a ameaça do deputado eleito e ele compartilha a matéria orgulhoso em suas redes sociais.

Pronto. O circo está armado. Durante 48 horas um dos principais assuntos do presidente, seus apoiadores, filhos e assessores próximos foi uma piada compartilhada por mim no Twitter. Esse tipo de comportamento é extremamente eficaz para distrair seus seguidores, desfocar do que é central e ainda garantir a reprodução do mito da “esquerda totalitária” – não sem ajuda de uma própria parcela da esquerda brasileira. Por falar em esquerda, muitos se perdem nesse tipo de tática de comunicação e inclusive, ajudam na sua efetivação, como no caso de “Jesus no pé de Goiaba”. Por exemplo, nos dias decisivos que antecedem a entrega da Embraer à Boeing o tema principal de várias “bolhas progressistas” na internet foi Damaris e o sumiço de Queiroz.

O enfrentamento eficaz ao Bolsonarismo exige de todos os militantes e lutadores (as) sociais do país uma postura propositiva que saia da reação e deixe de se pautar pelo absurdo do que é dito pelo presidente e sua equipe. A reconstrução de um projeto radical de transformação política do país que crie uma nova hegemonia que não só consiga organizar uma forte resistência, mas que também forje as condições para uma ofensiva dos explorados e oprimidos do país. E não conseguiremos isso sem desviar-se da forte cortina de fumaça ideológica e infantil produzida em escala industrial pelo bolsonarismo.