O binarismo não caiu junto com o Muro de Berlim
Os sistemas que advieram depois disso traduzem uma ordem multipolar, plural e complexa. Mas, a distinção entre esquerda e direita ainda persiste…
No dia 9 de novembro deste ano será o aniversário de 28 anos da queda do Muro de Berlim. Nesses tempos em que se discute a reforma política no Congresso Nacional, em que não se consegue distinguir a posição da maioria dos partidos, senão mediante a aplicação de uma racionalidade instrumental que leva os atuais parlamentares a legislar em causa própria, escolhendo modelos e sistemas que assegurem ou, ao menos, aumentem a probabilidade de seus retornos ao parlamento em 2018, será que ainda existe diferença entre direita e esquerda no mundo? Sim. E, mais do que em outros períodos, ela se tornou latente aqui no Brasil nesses últimos tempos, pós-Impeachment.
No plano da vida individual, segundo a visão (conservadora) da direita brasileira – e porque não dizer do pensamento de direita de uma forma geral – quem não progrediu na vida é porque não teve mérito: ou porque não se esforçou ou não se dedicou o suficiente ou porque não detém os atributos naturais (talento, inteligência etc) necessários para tanto. É a tal da meritocracia, um dos cernes do pensamento liberal (ou neoliberal) de direita.
Para aqueles que compartilham do pensamento e da visão de mundo (progressista) de esquerda, se alguém não progrediu na vida, não é necessariamente porque não se esforçou ou porque não tem talento. Em muitos casos, é porque não teve as mesmas OPORTUNIDADES que os demais.
É por isso que governos têm papel decisivo no desenvolvimento social de um povo. Políticas públicas e programas governamentais que geram oportunidades para os hipossuficientes e desvalidos promovem inclusão social e ajudam a reduzir as desigualdades. Porque sempre haverá desigualdades enquanto o mundo e a sociedade estiverem organizados dessa forma. Mas, a distância entre os que têm, podem e sabem mais para aqueles que têm, podem e sabem menos não precisa ter a profundidade de um oceano…
Isso não é ser paternalista, comunista, socialista, bolivariano, chavista ou castrista. Isso se chama solidariedade e compreensão do mundo a partir das necessidades do ser humano e não a partir das exigências do mercado. E solidariedade não se pratica somente nas “Campanhas do Agasalho” ou com doações ao “Criança Esperança” ou ao “TeleTon”…
A meritocracia é importante. Mas a isonomia, a igualdade complexa, é muito mais. Mais importante até do que a igualdade formal perante a lei. Porque, segundo a Constituição, todos são iguais perante a lei. Mas, a mesma doutrina constitucional nos ensina que devemos tratar desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.
No plano da economia, essas distintas visões de mundo podem se traduzir no duelo entre “monetaristas Vs. desenvolvimentistas”, da seguinte forma: de um lado, a crença inveterada no mercado e em sua capacidade auto-suficiente de suprir as necessidades da sociedade a partir da clássica lei da oferta e da procura e demais postulados e axiomas econômicos. Desse mesmo lado, a crença de que o Estado não deve interferir nessa relação e, portanto, deve assumir papel coadjuvante e, por vezes, até se retirar dela por completo.
De outro lado, a crença de que, no tocante a economia, o Estado tem um papel tríplice: assegurar o exercício dos direitos sociais por meio da oferta de serviços públicos básicos de qualidade para todos; induzir o desenvolvimento, através de estímulos e incentivos à iniciativa privada; tributar, regular e impor limites ao mercado, para inibir a autofagia típica dos períodos mais selvagens do capitalismo.
Do lado dos monetaristas, de direita, conquanto as riquezas estejam sendo geradas e os tributos estejam sendo recolhidos, ingressando nos cofres do Estado, não importa a distribuição disso. Estão mais preocupados com a estabilidade dos fundamentos da macro-economia, com a estabilidade da moeda, da bolsa de valores, do mercado de capitais, com os rentistas e financistas (daí a expressão, “monetaristas”), do que com qualquer outra coisa. Já do lado dos desenvolvimentistas, de esquerda, podemos até suportar um crescimento econômico menor, conquanto o pouco que cresça seja melhor distribuído entre todos.
Nossa preocupação é se o resultado do crescimento econômico e das políticas públicas que dele decorrem está a serviço da democracia social (crescimento econômico com geração de emprego e distribuição de renda). O que defendemos é um modelo de desenvolvimento que seja economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente correto.
Já no plano da política, o duelo entre direita e esquerda pode se traduzir na expressão “liberais Vs. socialistas”. Segundo o pensamento ortodoxo de direita, democracia se exerce nas urnas, no modelo clássico de representação. Já segundo o pensamento de esquerda, a democracia representativa é sim muito importante e não podemos prescindir dela. Mas, não é suficiente. Há que se lançar mão da democracia direta, participativa, por intermédio de múltiplos e diversos canais de participação popular e exercício do controle social sobre a atividade pública.
Depois da queda do Muro de Berlim, a ordem bipolar da Guerra Fria ruiu junto com ele. Os sistemas internacionais e o sistema mundo que advieram depois disso traduzem uma ordem multipolar, plural e complexa. Mas, a distinção entre esquerda e direita ainda persiste…