O autismo não é um problema apenas psicológico
Como homem da academia, leitor, observador e pai de autista, me arvoro de fazer algumas observações sobre o diagnóstico e a terapêutica dos autistas.
Texto atualizado às 20:40 do dia 21/09 pelo autor.
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Escrevo hoje sobre autismo, mas, me dirijo não a comunidade em geral (autistas, pais e amigos de autistas), mas sim (e peço perdão pela petulância) aos diferentes profissionais envolvidos no diagnóstico e na terapêutica dos autistas.
Não sou profissional da área médica, minha formação é na área do direito. Me faltam conhecimentos para abordar determinados assuntos com a técnica e o linguajar adequados. Contudo, como homem da academia, leitor, observador e pai de autista, me arvoro de fazer algumas observações sobre o assunto.
Os estudos e pesquisas das últimas décadas apontam no sentido de que o autismo, enquanto espécie do gênero transtorno global do desenvolvimento (TGD), seria um transtorno de matriz neurológico-genética e não apenas um problema de matriz psicológica, como fez acreditar a escola francesa da psicanálise, durante anos a fio.
No entanto, independente da comprovação de tal hipótese, acredita-se (e há certo consenso na comunidade científica a esse respeito) que a abordagem terapêutica mais apropriada é a multidisciplinar, que considera a presença da psicologia, das terapias comportamental e ocupacional, da fisioterapia, da psiquiatria (nas hipóteses em que se observa necessário o uso de algum medicamento, associado às intervenções terapêuticas) e de toda a sorte de intervenções que contribuam para desenvolver habilidades e competências e elevar a qualidade de vida de autistas, crianças, jovens e adultos.
O DSM (sigla, em inglês, para “Manual Diagnóstico e Estatístico para Transtornos Mentais”) classifica o autismo a partir da seguinte tríade de agrupamento para o conjunto de disfunções que caracterizam o transtorno:
Comunicação;
Comportamento;
Interação Social.
Acredito que as dificuldades de interação social decorrem, em grande medida, mais em virtude dos outros dois grupos de disfunções, distúrbios e/ou problemas do que, propriamente, de alterações genético-neurológicas específicas que levem a elas.
Ou seja, as dificuldades na comunicação social, verbal e não-verbal (sobretudo na fala), bem como as disfunções comportamentais e também as disfunções sensoriais (estes três grupos sim, de base genético-neurológicas) levam a dificuldades de interação social. Ou, dito de forma mais direta: as disfunções na interação social decorrem ou são consequências das disfunções na comunicação social, no comportamento e no processamento dos sentidos.
Senão, vejamos: tanto crianças quanto adultos neurotípicos (ditos normais) apresentam comportamento reativo quando diante de alguém que se comporta de maneira considerada inadequada, segundo as convenções sociais (balança os braços, gira o corpo em torno do próprio eixo, anda na ponta dos pés…); ou diante de alguém que se expressa, verbal e não-verbalmente, de maneira estranha (com entonações inadequadas, por exemplo; ou com ecolalias e palialias; com expressões faciais que não guardam relação de pertinência ou convergência com o sentimento ou assunto tratado…).
Na escola, as crianças, se não orientadas a respeito dessas diferenças comportamentais, comunicacionais e sensoriais (ou mesmo quando orientadas corretamente), podem praticar bullying. Ou, simplesmente, tendem a não chamar tal coleguinha “diferente” para as brincadeiras, isolando-o da convivência. Nos círculos sociais adultos, de forma mais sutil e supostamente mais polida, tende a ocorrer o mesmo. O autista percebe a reação negativa diante de seus comportamentos e falas e também tende a se isolar.
Acredito que as dificuldades de interação social decorrem das demais disfunções, não constituindo um grupo autônomo destas, conforme proposto na classificação triádica do DSM-IV. Mas, tampouco a classificação dual do DSM-V está correta, ao meu ver. Não parece adequado considerar as dificuldades de comunicação social e de interação social como partes integrantes de um mesmo grupo.
Proponho uma classificação triádica, mas, diferente daquela proposta no DSM-IV, que não considera os possíveis déficits cognitivos e nem as disfunções sensório-motoras.
Os três grupos de disfunções de base genético-neurológicas seriam:
Comunicação Social;
Comportamento;
Responsividade sensorial.
A responsividade sensorial (hiper ou hiposensibilidade aos estímulos externos dos 5 sentidos) seria a novidade desta classificação. Minha experiência prática, de vivência e leitura, me levam a crer que a baixa ou alta responsividade sensorial se manifesta de maneiras diferentes e sutis nos autistas. Por exemplo, no que tange a hipersensibilidade sonora: é certo que sons elevados irritam uma grande parte dos autistas. Mas, observo que não se trata apenas de uma questão de volume (alto ou baixo), mas também de uma questão de frequência sonora (sons muito graves ou muito agudos). Vejo uma tolerância as frequências médias, ainda que em volumes altos. Sons graves, agudos ou “misturas” sonoras complexas tendem a confundi-los e causar perturbação.
São observações empíricas, não submetidas ao rigor do método científico e que, portanto, carecem de comprovação. Mas, são observações compartilhadas por outros pais e pessoas que lidam, no dia-a-dia, não com o diagnóstico, mas com a terapêutica voltada aos autistas.
O quarto grupo de disfunções (na interação social) seria uma consequência, um desdobramento dos outros três.
Já sobre déficit cognitivo, sobre pedagogia e métodos pedagógicos: autistas são pensadores concretos, literais, quer seja o seu pensamento por imagens, por padrões ou mesmo por palavras. Eles têm dificuldades em compreender abstrações, subjetividades, fazer inferências, deduções, induções. O modelo mental deles não se adequa, com facilidade, aos métodos indutivo ou hipotético-dedutivo, enquanto métodos de abordagem e de procedimento predominantes no pensamento científico ocidental. O que fazer? A resposta pode ser objeto de um próximo artigo.