O agronegócio e a agricultura familiar
De fato, o agronegócio movimenta bilhões, por ano, em comércio exterior. Porém, a agricultura familiar gera mais de 70% dos empregos no campo, número este que chega a mais de 90% em municípios de pequeno porte, segundo o IBGE.
Tenho acompanhado, com atenção, pela imprensa, sucessivas declarações do governador do meu estado, Gladson Cameli (PROGRESSISTAS) reputando ao agronegócio a condição de suposta redenção econômica para o Acre. Chama a atenção a contundência de sua defesa, sobretudo em uma semana em que Mato Grosso e Goiás, estados autoproclamados celeiros do Brasil, que figuram entre os quatro maiores produtores de soja da nação, decretaram calamidade financeira.
De fato, o agronegócio movimenta bilhões, por ano, em comércio exterior. Tem uma importância significativa para manter o saldo positivo (superavitário) da balança comercial brasileira. Sem dúvida, é um vetor importante para uma matriz de desenvolvimento econômico que se pretenda bem sucedida em um país com vocação agrícola.
No entanto, nem tudo são flores. Tampouco o agronegócio é, sozinho, a salvação da lavoura, com perdão do trocadilho. As monoculturas, típicas do agribusiness, trazem problemas de natureza ambiental, econômica e social.
Ambientais, porque desequilibram o ecossistema, fazendo prosperar pragas, empobrecendo o solo e anulando a biodiversidade presente em extensas áreas antropizadas para plantio de lavouras.
Econômicos porque, em primeiro lugar, geram poucos empregos, pois trabalham com plantio e colheita mecanizada, exigindo pequena quantidade de mão de obra; e, em segundo lugar, porque também geram poucas receitas tributárias para os municípios e estados, por conta de incentivos fiscais, tanto nos tributos estaduais, tais como o ICMS, quanto nos tributos federais, como no caso das isenções da Lei Kandir.
Sociais porque, gerando poucos empregos diretos, não promovem distribuição de renda e não contribuem assim para a redução das desigualdades e inclusão social.
Já a agricultura familiar, embora não possua o glamour das imagens de grandes colheitadeiras jorrando grãos e armazenando-os em gigantescos silos, é quem produz mais de 65% de tudo o que vai para a mesa de cada brasileiro.
São muito mais sustentáveis com relação ao solo e ao meio ambiente, em virtude da diversificação de culturas em extensões territoriais pequenas. O que se perde em escala de quantidade, se ganha em diversidade e equilíbrio ambiental.
A agricultura familiar gera mais de 70% dos empregos no campo, número este que chega a mais de 90% em municípios de pequeno porte, segundo o IBGE. Em algumas centenas de hectares se consegue manter produtivas dezenas de famílias da agricultura familiar. Sem desmerecer o agronegócio, os médios e grandes produtores agrícolas, a capacidade que um produtor rural da agricultura familiar tem de gerar renda em uma pequena propriedade é proporcionalmente superior à rentabilidade de qualquer grande fazenda de gado.
Tal modelo se coaduna com o conceito de “economia de base diversificada”, que procura incluir os pequenos, sem excluir os grandes e que mais se aproxima dos princípios de democracia e justiça social. Já a renda obtida na atividade rural dos latifúndios, embora importante, fica concentrada nas mãos de poucos, afinal, para uma lavoura de monocultura se tornar viável e lucrativa, um único proprietário necessita de uma grande extensão de terra.
É claro que não se desconhece os demais elos da cadeia produtiva do agronegócio, sobretudo na área de maquinários, implementos e defensivos agrícolas. Contudo, para além do crescimento econômico, em um modelo de agronegócio restam prejudicadas a geração de emprego, a distribuição de renda, a inclusão social e a redução das desigualdades, sobretudo quando este modelo se contrapõe a outro, de estímulo a reforma agrária com assentamento de famílias e produção competitiva e em escala, na agricultura familiar de médio porte.
O Brasil perdeu mais de 1,5 milhão de empregos no campo entre 1996 e 2017, segundo o IBGE. É urgente que se busque alternativas para reverter esse processo.
Para isso, é preciso ampliar a aplicação de conceitos como os de sistemas agroflorestais (SAF’s), consorciamento de culturas, ilhas de alta produtividade (IAP’s), dentre outros. Plantar macaxeira, milho, ter tanques de piscicultura, unidades de terminação (engorda) de frangos ou suínos, hortaliças, pomares de fruteiras perenes, banana, café, seringais de cultivo, tudo isso é possível, de maneira simultânea, em áreas de produção familiar.
Dá trabalho, exige muita dedicação do colono e sua família e exige assistência técnica, mecanização, garantia de escoamento da produção e crédito facilitado, com juros subsidiados e prazos de carência generosos. É isso ou a concentração de renda do latifúndio e do agribusiness.