Nem a terra nem as mulheres são território de conquista: por uma justiça climática feminista
Precisamos falar sobre como as mudanças climáticas têm afetado as mulheres porque só assim elas serão incluídas nas soluções.
Vivemos uma cruzada contra a palavra “gênero” no Brasil. A extrema-direita confunde a população e elabora (anti)políticas públicas a partir da mentira de que falar sobre gênero é impor uma ideologia que deturpa valores conservadores. Sabemos que essa atitude dificulta a luta por igualdade de gênero e pelo fim da violência contra as mulheres, mas você já parou para pensar que outro campo prejudicado é o de justiça climática?
Precisamos falar sobre como as mudanças climáticas têm afetado as mulheres porque só assim elas serão incluídas nas soluções.
Lutas históricas do feminismo, como a justiça reprodutiva, têm relação direta com a justiça climática. Sob o pretexto de que o planeta não suporta tantas pessoas, mulheres periféricas e, em sua maioria, negras, sofrem com o moralismo de quem coloca a culpa do desequilíbrio ambiental em “quem tem mais filhos do que deveriam”. Controle reprodutivo deve ser um direito da mulher, não uma imposição moral, já que elas também têm o direito de terem os filhos que desejarem. É desonesto e machista não responsabilizar as grandes empresas com seus projetos produtivistas e destruidores da natureza e colocar mais um fardo sobre as costas das mulheres.
O clima também deveria ter centralidade na luta contra a violência de gênero. Segundo o estudo “Gender-based violence and environment linkages: the violence of inequality” (Ligações entre a violência de gênero e o meio ambiente: a violência da desigualdade), da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), as mudanças climáticas estão aumentando a violência contra as mulheres. Os motivos são diversos: as mudanças climáticas aumentam o estresse de grupos vulneráveis e, nesses momentos, as mulheres tornam-se alvo de violência como escape machista; 60% da população do estudo já observou violência de gênero contra ativistas ambientais, migrantes e refugiadas climáticas e em áreas de degradação ambiental; o tráfico humano e a prostituição aumentam em locais com projetos de mineração e desmatamento, e são as mulheres que ficam com a responsabilidade de buscar água e alimento em momentos de crise, entre muitos outros motivos.
Um ponto de partida para virarmos esse jogo pode ser o mote da Greve Global pelo Clima desse ano, Descolonize o sistema. Os processos de colonização caminham junto aos do patriarcado, determinando a opressão de todas as mulheres, principalmente as que desafiam a heteronormatividade, as mulheres trans, as mulheres quilombolas, indígenas, camponesas e migrantes. Esses processos também determinam o espaço que vamos ocupar na sociedade e, quanto mais marginalizadas, menos acesso temos a mitigação e adaptação frente a eventos climáticos extremos como ondas de calor, enchentes, falta de saneamento básico e acesso à moradia digna.
Nesse sentido, as mulheres têm se unido para apresentar alternativas ecológicas para um novo mundo, o que favorece a luta por justiça climática.
No início do mês, assistimos à segunda Marcha de Mulheres Indígenas, que terminou com o anúncio da Articulação Nacional das Mulheres Guerreiras da Ancestralidades (ANMIGA) da plataforma Reflorestarmentes, que “tem como objetivo principal acolher e fortalecer uma comunidade composta de diversos ecossistemas” e propõe “uma agenda nacional e internacional, pautada na transição ecológica, no direito à terra de comunidades e povos tradicionais, na retomada e demarcação de territórios indígenas como política transformadora, que apresenta alternativas ao enfrentamento da crise climática”.
Já no estado de São Paulo, a Marcha de Mulheres Negras é um coletivo que se pauta pelo Bem Viver (cosmovisão indígena que preza pela harmonia e pluralidade) e cujo mote do 25 de julho desse ano foi “Nem fome, nem tiro, nem Covid: Parem de nos matar! Fora Bolsonaro! Impeachment Já! Contra o racismo e o genocídio! Mulheres negras por vacina, moradia, comida, emprego, e demarcação de terras quilombolas e indígenas. Por nós, por todas nós, pelo Bem Viver.”
Também nos inspira a luta do feminismo camponês e popular, que luta pela soberania alimentar em um mundo cujas escolhas econômicas favorecem cada vez mais o agronegócio em detrimento da agricultura familiar, que ainda sofre com as mudanças climáticas. Em 2020, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) apresentou um levantamento que demonstrou que a atividade das mulheres na agricultura familiar chegou a 80% em 2019. O enfraquecimento da agricultura familiar impacta a autonomia dessas mulheres, deixando-as mais vulneráveis.
Não há ecologia sem feminismo! Ao propor o Dia Municipal de Luta contra as Mudanças Climáticas e a Frente Parlamentar Ambientalista na Câmara Municipal de São Paulo, ambas iniciativas aprovadas, o que moveu a Bancada Feminista do PSOL foi também essa perspectiva feminista em relação à justiça socioambiental. Precisamos ter mais mulheres nos espaços de elaboração de políticas públicas, que possam fazer as conexões necessárias para encontrarmos soluções ecológicas, que considerem o todo e, em conjunto com os outros grupos explorados e oprimidos, possam garantir a libertação das mulheres e a sobrevivência de todo o planeta.
Bancada Feminista do PSOL – mandato coletivo na Câmara Municipal de São Paulo composto pelas covereadoras Silvia Ferraro, Paula Nunes, Carolina Iara, Dafne Sena e Natália Chaves.