Não nos dê flores. Queremos vida
O 8 de março, Dia Internacional da Mulher, é a data em que as floriculturas se enchem de buquês lindos com rosas vermelhas para homenagear mulheres. Mas, para nossa profunda tristeza, algumas dessas rosas vão adornar os caixões de pelo menos três mulheres que serão assassinadas no Brasil.
O 8 de março, Dia Internacional da Mulher, é a data em que as floriculturas se enchem de buquês lindos com rosas vermelhas para homenagear mulheres. Mas, para nossa profunda tristeza, algumas dessas rosas vão adornar os caixões de pelo menos três mulheres que serão assassinadas no Brasil. E o motivo todo mundo já conhece: uma gritante falta de vontade política para superar a trágica estatística de feminicídio que atinge o país diariamente. Quem dera que nossas vidas fossem cultivadas como flores.
A omissão pública frente à vida das mulheres se confirma justamente pelo crescente número de feminicídios. Só nos últimos três anos, 3.200 mulheres foram mortas no Brasil, segundo os dados Anuário de Segurança Pública, o que demonstra a incapacidade das políticas públicas em assegurar a sobrevivência dessas mulheres. Ainda que no campo formal do Direito a Lei 13.104/2015 tenha se constituído como marco fundamental para o reconhecimento de crimes letais cometidos contra mulheres, há muito a avançar.
É necessário reconhecer que a violência contra a mulher é estrutural nas sociedades patriarcais. E se manifesta de variadas formas, desde agressões supostamente leves, àquelas mais intensas. São situações de subordinação, injúrias físicas, psicológicas e familiares. A recorrência destas situações, que na maioria das vezes não acontecem de forma isolada, encontra limite no uso da força, na violência sexual e no assassinato de mulheres cometido por homens. Em geral, seus companheiros, ex-companheiros ou familiares, que compreendem a mulher como propriedade, desprovida de autodeterminações e liberdade para definir sua vida. O feminicídio revela o nível de violência desumana submetida às mulheres que foram negligenciadas pelo poder público.
Ser mulher apresenta-se como um fator de risco para a violência letal, sobretudo se possuem especificidades raciais, étnicas e de classe social. Basta dizer que, entre as mulheres negras, o índice de vítimas de feminicídio aumentou drasticamente no país. Um estudo do Ipea demonstrou que a taxa de feminicídio que atinge mulheres negras é maior e cresce mais do que a das mulheres não negras: entre 2007 e 2017, casos de feminicídio contra mulheres negras cresceram 29,9%, enquanto casos contra mulheres não negras cresceram 1,6%.
Como sabido, a condição de dependência material e financeira dificulta a interrupção do ciclo de violência de gênero. Mulheres em condição de dependência econômica e vulneráveis emocionalmente têm poucas alternativas para romper a espiral de violência. Mesmo para as mulheres assalariadas, persiste enorme desigualdade em relação aos homens. Conforme aponta também o Ipea, as mulheres ganham em média 76% da remuneração de homens, quando executam as mesmas funções. Mulheres negras recebem ainda menos: 43% do equivalente a remuneração dos homens brancos.
É óbvia a feminização da pobreza e a precarização das condições de trabalho, desemprego e informalidade das ocupações exercidas por mulheres são elementos que aprofundam a vulnerabilidade de mulheres em situação de violência. Levar em conta esses dados alarmantes é fundamental para que o poder público formule políticas específicas direcionadas para o combate à violência contra as mulheres. É preciso reiterar a responsabilidade do Estado na elucidação de crimes por condição de gênero, mas principalmente no fortalecimento das redes de assistência à mulher em situação de violência e vulnerabilidade social. Tais políticas públicas não devem passar exclusivamente pela punição individual, mas por um amplo debate educativo com o conjunto da sociedade e, principalmente, pela criação de condições para que as mulheres possam romper a dependência econômica e emocional.
Geração de empregos formais, cursos de profissionalização e capacitação, cooperativas de economia solidária para mulheres são alternativas importantes e muito pertinentes. Creches e oferta de serviços públicos que permitam maior autonomia das mulheres frente às tarefas domésticas são fundamentais. Políticas habitacionais que priorizem mulheres, saúde sexual e reprodutiva e uma série de outras políticas articuladas, várias delas já apontadas em Planos Nacionais de Políticas para Mulheres.
Precisamos falar seriamente sobre feminicídio, um crime evitável, criando coletivamente o compromisso político de combatê-lo. Março é o mês que marca a luta das mulheres. Que nele possamos aprofundar os debates sobre essa que é uma questão central para a construção de uma sociedade com menos desigualdade de gênero. E que nós, mulheres, possamos estabelecer trocas que fortaleçam o compromisso entre nós. Que as flores expressem o nosso amor pela vida, e não a nossa dor.
Nenhuma a menos!