Libertação de Lula exige estratégia, não festa
Claro que temos que festejar que Lula, entre outros 5 mil inocentes, poderão em breve dormir em suas camas. Podemos e devemos comemorar que uma grande liderança popular poderá estar, ao menos parcialmente, ao lado dos seus. Mas não tem avanço político em si nessa libertação.
Ao que parece, Lula sairá da prisão, depois de uma vitória assustadoramente apertada do constitucionalismo sobre o obscurantismo no STF. Por um voto de diferença, os magistrados decidiram que no Brasil só puxa cadeia quem for condenado. Não é uma vitória nossa. Não é uma vitória popular. Difícil até dizer que é uma vitória. Afinal, batemos na trave de mais um suicídio institucional.
Claro que temos que festejar que Lula, entre outros 5 mil inocentes (todo mundo é até que se prove o contrário, lembra?), poderão em breve dormir em suas camas. Podemos e devemos comemorar que uma grande liderança popular poderá estar, ao menos parcialmente, ao lado dos seus.
Mas não tem avanço político em si nessa libertação. Ao contrário do que aconteceu com Angela Davis ou o líder Pantera Negra Huey P. Newton, não foi o movimento popular quem tirou Lula da cadeia. Também não foi um ato de radicalização de uma organização política à la MR8. Não foram nem seus advogados. Quem solta Lula é quem abriu o caminho para que ele fosse preso sem provas. E sinto muito, mas nada do que vem de cima nos pertence.
Até simbolicamente é uma libertação vazia, já que sequer será atendido o desejo manifesto de Lula, de só sair com a prova irrefutável de sua inocência e a implicação dos capos policialescos do lavajatismo numa trama conspiratória para tirá-lo do cenário eleitoral. O STF decidiu o que decidiu porque sabe que disputa um jogo de elites num país cindido entre os novos cães raivosos da extrema-direita e um conservadorismo quatrocentão, que julgou possível se autoadministrar doses controladas de fascismo e terminou intoxicado, engolido pelo monstro.
Agora, esperemos por um tsunami de anti-institucionalidade. “Queimem o STF, arranquem a cabeça do Gilmar Mendes”… É esse tipo de retórica que emanará do cristo-milicianismo justiceiro e será tacitamente ecoado por sua representação federal. É hora de Bolsonaro promover sua “noite dos cristais” e provar de uma vez por todas que ninguém precisa de 80% da população para se eleger, muito menos para governar. Basta uns 20% de fanáticos, dispostos a matar ou morrer pelo líder.
Esses serão os que se mobilizarão agressivamente pela completa destruição da institucionalidade liberal. Se, como em junho de 2013, a esquerda se vender como o último dos republicanos e não pensar seriamente em como construir a luta extra-institucional, bom… bem-vindos ao Reich Tupiniquim. A direita tradicional – mídia liberal, PSDB, indústria – se desmilinguiu sob o moralismo anti-establishment do neofascismo. E a esquerda tem na libertação vertical de Lula um monumento a sua inabilidade conjuntural de disputar a sociedade.
Ou seja, a avenida que se abre é, mais uma vez, extra-institucional. Ou reivindicamos nosso ethos revolucionário e aprendemos a trilhá-la, ou não seremos mais do que a torcida silenciosa de um jogo de barões.