Indulto aos autores do massacre de Carandiru, mais um crime de Bolsonaro
A oito dias de deixar o cargo, o presidente Jair Bolsonaro indultou oito dos responsáveis pela chacina de Carandirú, acontecida no ano de 1992. A decisão de Bolsonaro é contrária às sugestões do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e pode ser inconstitucional, já que o indulto beneficia diretamente os agentes da Polícia […]
A oito dias de deixar o cargo, o presidente Jair Bolsonaro indultou oito dos responsáveis pela chacina de Carandirú, acontecida no ano de 1992.
A decisão de Bolsonaro é contrária às sugestões do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e pode ser inconstitucional, já que o indulto beneficia diretamente os agentes da Polícia Militar por este caso em concreto, quando o perdão do presidente deve ser coletivo e não específico.
O Massacre de Carandiru ocorreu em 2 de outubro de 1992 durante a intervenção da Polícia Militar em um cárcere de São Paulo para deter um motim. A operação foi encerrada com 111 presos mortos. Em 2002, o centro penitenciário foi clausurado e anos após foi demolido para a construção de um parque.
Em 2 de outubro de 1992, a Polícia de São Paulo realizou o maior massacre prisional da América Latina, que deixou 111 presos mortos. Aconteceu no emblemático presídio do Carandiru, onde 8.500 detentos estavam superlotados em condições desumanas, às vésperas das eleições municipais na maior cidade da América Latina.
O perito criminal Osvaldo Negrini foi a primeira pessoa a entrar na cadeia após o massacre. “Quando cheguei, para chegar ao primeiro andar tive que subir uma escada: era uma cascata de sangue. O sangue desceu a escada e chegou na minha canela”, lembra.
No dossiê, que preparou junto com um fotógrafo da Polícia Civil, Negrini refletiu que os agentes ultrapassaram a brutalidade: 85 das 111 vítimas foram executadas dentro das celas, sem oferecer resistência.
“Muitos tiros foram disparados das janelas das portas das celas e de cima com metralhadora. Assim, os policiais conseguiram matar quatro ou cinco prisioneiros de uma só vez. Não havia necessidade de tal ação, os internos já estavam dominados. Mas, não se sabe por que motivo optaram por exterminar vários deles simultaneamente”, aponta.
Negrini também demonstrou que a Polícia forjou falsas provas para justificar a violência excessiva da operação. “Quando saiu a sentença revelando que 95% dos tiros foram disparados dentro das celas, não havia mais como alegar legítima defesa. Onde estavam os tiros de dentro para fora? Não havia um. Além disso, as armas dos prisioneiros foram apreendidas? Sim, mas não havia vestígios de tiros nas armas que entregamos aos laboratórios. Alguns nem funcionavam, eram muito velhos. Então ficou muito claro que ninguém havia usado essas armas”, explicou ele à France 24.
Após entregar seu relatório, este investigador recebeu ameaças anônimas e teve que pedir proteção às mesmas autoridades que acusava de violência excessiva.
O Carandiru hoje não é apenas o símbolo da violência exercida pelo Estado contra os cidadãos que deveria reabilitar, mas também se tornou sinônimo de impunidade.
“Esse massacre é reflexo de uma péssima política de segurança pública, com altíssimos índices de encarceramento e uma Polícia que mata ao invés de administrar os problemas sociais de outra forma. Aliás, a Polícia brasileira é a que mais mata no mundo”, diz Maíra Rocha Machado, professora de direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.
O indulto de Bolsonaro, mais um crime constitucional:
O indulto presidencial deste ano inclui aqueles que foram condenados por crimes que ocorreram há mais de 30 anos, mesmo que não tenha sido em última instância. Os agentes sinalizados por essa intervenção no cárcel de São Paulo cumprem, portanto, os requisitos.
O processo judicial contra os policiais se prolongou por décadas e houve que esperar até fazer dez anos para que a Justiça condenasse a 74 de aqueles policiais pela morte de 77 presos. As penas contra eles oscilaram entre os 48 e os 624 anos de prisão, porém, ninguém cumpriu com a pena, já que a lei brasileira impede entrar na prisão para estar mais de 40 anos preso por um mesmo crime.
A defesa sustentou que as mortes foram produzidas quando os agentes se defendiam dos ataques com arma branca dos presos. Porém, para os fiscais, os policiais cometeram execuções sumárias uma vez que os amotinados foram rendidos, tal como señalavam as autópsias da maioria dos mortos, fuzilados com um tiro na cabeça.
Dos agentes condenados, cinco já morreram – um deles assassinado – e outros 69 ainda estão vivos. Mais de 30 anos depois, ninguém foi preso, em parte graças à manobra das defesas que recorreram de cada uma das sentenças.
Quem comemorou a decisão foi o deputado e terceiro filho de Bolsonaro, Eduardo, que escreveu no Twitter que, com a graça concedida pelo pai, a justiça foi feita a alguns homens que “entraram onde nenhuma mãe permitiria”. aos seus filhos entrarão” para cumprir “a sua missão” contra “algumas das pessoas mais perigosas do país”.
O Ministério Público de São Paulo considera inconstitucional o decreto do último indulto de Natal do presidente Jair Bolsonaro (PL), que perdoa as penas e extingue as condenações de dois policiais militares acusados na Justiça pelo caso conhecido como Massacre do Carandiru, e enviou um representante ao procurador-geral da República (PGR), Antônio Augusto Aras.
O documento é do procurador-geral da Justiça, Mário Luiz Sarrubbo.
“A concessão do indulto é incompatível com o disposto na Convenção Americana de Direitos Humanos promulgada pelo Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992, razão pela qual requer a Vossa Excelência a adoção de medidas urgentes em face de duas ordens controversas por incompatibilidade com ou o artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal, e as normas acima indicadas da Convenção Americana de Direitos Humanos, por ação direta de inconstitucionalidade ou arguição de violação de preceito fundamental”, afirma o ofício.