Grêmios estudantis são pilares da democracia; e por que temos tão poucos?
Apenas 12,3% das escolas públicas do Brasil têm grêmio estudantil. Ou seja, somente uma em cada 10 escolas tem uma organização de alunos que representa seus próprios interesses
Lançamos nesta semana o Mapeamento de Grêmios Estudantis no Brasil, que traz dados desagregados do Censo Escolar sobre a situação dessa instância crucial de participação e gestão democrática nas escolas públicas de todo o país.
Com pesquisa quantitativa e qualitativa, identificamos que o Brasil está ainda, infelizmente, longe de cumprir esse componente essencial do direito à educação – a existência de grêmios estudantis fortalecidos em todas as escolas é condição para uma gestão escolar democrática, que é um princípio constitucional e meta do Plano Nacional de Educação 2014-2024.
Apenas 12,3% das escolas públicas do Brasil têm grêmio estudantil. Ou seja, somente uma em cada 10 escolas tem uma organização de alunos que representa seus próprios interesses. E ainda há significativa disparidade regional, com o Sudeste apresentando 22,9% e o Norte apenas 3,2%.
O levantamento utiliza dados desagregados do Censo Escolar 2021, com escopo nacional e enfoque nos estados de Amapá, Amazonas e Maranhão – estados da Amazônia legal. Inclui uma pesquisa qualitativa do Maranhão sobre os grêmios e a participação estudantil na escola.
É importante lembrar que o Plano Nacional de Educação, em sua Meta 19, prevê que a universalização dos grêmios deveria ter acontecido até 2016. O quadro atual, portanto, é de grave atraso, e o não cumprimento deste dispositivo é também um entrave ao avanço de outras metas e estratégias previstas pelo Plano – que acaba em 2024 e deve ser renovado ainda neste ano.
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Desigualdades
Escolas com maioria de alunos negros têm menos grêmios em comparação com a média nacional. Isso se observa tanto no cômputo nacional (8,2% frente a 12,3%) quanto nas regiões do Sudeste (16,4% frente a 22,9%), Sul (12,8% frente a 16,9%) e Centro-Oeste (6,6% frente a 7,2%).
Outro destaque é que escolas do campo, indígenas e quilombolas com associações de pais ou conselhos escolares são mais propensas a terem grêmios estudantis, possivelmente devido a fatores relacionados à gestão democrática e a características específicas das escolas. Nas escolas urbanas, essa correlação é menor.
O mapeamento mostra que as escolas que já possuem conselho escolar ou associação de pais e mestres têm maiores chances de possuírem grêmios estudantis.
Amapá, Amazonas e Maranhão foram os estados escolhidos para detalhamento pelo projeto nesta primeira fase, dada a relevância de representatividade das populações indígenas, quilombolas e do campo.
Entre os estados que são foco do projeto, o Maranhão é o estado que mais tem grêmios (5,2%); Amapá é o estado com menos grêmios (2,1%).
Racismo e antirracismo nas escolas
No que se refere à existência de educação antirracista no Maranhão, há diferenças sensíveis de percepção dos gestores e dos estudantes acerca de racismo e projetos de antirracismo na escola, o que é um dado bastante relevante, que denota a demanda dos estudantes por mais formações e ações a esse respeito, não tão identificadas pelos gestores.
Sobre a educação antirracista, o mapeamento aponta que os estudantes identificam a existência de casos de racismo, que em sua maioria as escolas promovem debates sobre o assunto, especialmente em momentos específicos das aulas, mas reconhecem que as escolas não têm desenvolvido ações suficientes e mais estruturais que possam configurar um projeto de educação antirracista.
E por que essas taxas não são maiores?
A infraestrutura foi apontada por quase todos os gestores como fator fundamental para assegurar o direito à participação dos estudantes. Muitos destacaram que o pátio da escola é um espaço de trocas e de realização de atividades por parte dos estudantes e também para a comunidade em geral, mas não é suficiente. Deste modo, a pesquisa reforça a necessidade de regulamentação e implementação do Custo Aluno-Qualidade e de financiamento adequado para que a escola cumpra de fato sua vocação constitucional de pilar democrático.
De maneira geral, há consenso de que escolas do campo, indígenas e quilombolas recebem poucos investimentos e têm sido marginalizadas. A falta de formalização de escolas indígenas, por exemplo, foi apontada como um fator relevante para a falta de infraestrutura, de professores e de possibilidades de expansão das etapas oferecidas, o que impacta diretamente as possibilidades de participação dos estudantes e da comunidade de uma maneira geral.
Na pesquisa feita com os estudantes (computando 942 respostas do Maranhão), eles demonstraram que existem espaços de participação estudantil nas escolas do estado, mas que muitos estudantes ou ainda não participam e desejam participar ou não estão interessados. A falta de confiança em processos democráticos é um desafio a superar se quisermos motivar nossos estudantes a construírem e fortalecerem grêmios.
Por fim, muitos estudantes mencionaram a resistência de gestores a construir grêmios – apesar da Lei do Grêmio livre – porque ainda têm uma visão de que o Grêmio é gerador de problemáticas e não aliado da gestão da escola, o que muitas boas práticas demonstraram.
O Guia Grêmios e Participação Estudantil na Escola, lançado em março, dentro do Projeto Euetu, apresenta informações, dicas e orientações para construção, organização e formação de grêmios estudantis nas escolas brasileiras. O material tem o intuito de debater os principais aspectos sobre essa forma de participação política da juventude, além de fortalecer processos democráticos, antirracistas e inclusivos.
A ativação e o fortalecimento dos grêmios estudantis no Brasil é uma necessidade premente que não pode ser negligenciada. Essas entidades desempenham um papel crucial na promoção da participação ativa dos estudantes na vida escolar, fomentando o senso de comunidade, o desenvolvimento de habilidades sociais, cidadãs e políticas e a capacidade de diálogo construtivo.
Além disso, os grêmios proporcionam uma plataforma valiosa para que os jovens possam expressar suas preocupações, ideias e propostas, contribuindo diretamente para a melhoria da qualidade da educação, do ambiente escolar, do projeto político-pedagógico e das políticas educacionais.
Para reverter o atual cenário de falta de grêmios estudantis, é essencial que estudantes, educadores e gestores escolares unam esforços para reconhecer a importância dessas organizações e promover sua criação e fortalecimento. Através da formação de grêmios estudantis, estamos investindo no empoderamento da próxima geração e cultivando cidadãos ativos, conscientes e comprometidos com a construção de um país e um mundo com justiça social, sustentabilidade e democracia. Juntos, devemos agir agora para resgatar o papel vital dos grêmios estudantis e garantir um ambiente educacional enriquecedor e participativo para todas as pessoas.