Ao embarcar para a Flórida, nos últimos dias de mandato, o ex-presidente Jair Bolsonaro disse aos seus apoiadores que havia tentado “resolver o problema”, mas que não tinha conseguido apoio para isso. O “problema” é a derrota eleitoral e, supostamente, o apoio não obtido era o do alto comando do Exército, necessário para impedir a posse do Lula através de um golpe de estado.

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Bolsonaro mobilizou apoiadores que acamparam em frente aos quartéis em várias cidades, bloquearam rodovias e praticaram atos terroristas em Brasília durante a diplomação do Lula, em dezembro. Como sempre, a mobilização foi feita pelas redes sociais e bancada por uma rede de empresários golpistas, ligados, sobretudo, à parte “ogro” do agronegócio e ao crime organizado que saqueia a Amazônia. Tudo isso para pressionar os generais que, apesar da postura leniente, de tolerância e proteção aos acampamentos ilegais, acabaram taxados de covardes, traidores e “melancias” por não impedirem a posse do Lula.

E aí vieram os ataques de 8/1, com a mobilização – pelas mesmas redes de comunicação e de financiamento – de milhares de apoiadores para invadirem as sedes dos Três Poderes em Brasília, com tentativas de bloqueio ao acesso de refinarias e de destruição de torres de transmissão de energia em alguns estados. Esses arreganhos terroristas tardios já tiveram um sentido de retaliação contra os poderes públicos e à população, pela frustração do golpe.

Três patetas

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Bolsonaro tentou criar condições para um auto-golpe desde o início do seu mandato. No final, tentou o golpe, que saiu pela culatra, determinando o seu auto-exílio voluntário. Depois, retaliou as instituições, sob a cortina de fumaça de um falso recolhimento, de internações suspeitas e de outras empulhações.

Bolsonaro sempre contou com a cumplicidade de Ibaneis Rocha (MDB), governador do DF, que jamais o incomodou pelo não uso de máscara durante a pandemia ou pela promoção de manifestações golpistas em Brasília. Ibaneis apoiou a reeleição do Bolsonaro, mesmo tendo o seu partido uma candidata própria à presidência, Simone Tebet. Anderson Torres já era secretário de Segurança do seu governo quando foi recrutado para o Ministério da Justiça.

Torres foi um dos principais cúmplices de Bolsonaro em promover o descrédito do sistema eleitoral, das urnas eletrônicas e do resultado final. Foi seu assessor direto na última tentativa de golpe. Antes de partir para a Flórida, Bolsonaro acertou com Ibaneis o retorno de Anderson para a Secretaria de Segurança.

Assim que reassumiu a secretaria, Anderson exonerou toda a equipe e desarticulou o comando da Polícia Militar, embarcando providencialmente para a Flórida, antes da eclosão do badernaço de 8 de janeiro. Quando o quebra-quebra se instaurou, Ibaneis o exonerou de cara, dizendo desconhecer que Anderson fosse deixar o país e tivesse solicitado férias antes mesmo de iniciar a nova gestão.

Minuta do golpe

A exoneração de Anderson foi o último ato de Ibaneis, antes dele próprio ser afastado do cargo por decisão do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, que também determinou a prisão preventiva de Anderson, por flagrante omissão, além de uma operação de busca e apreensão na casa dele, em Brasília. Nessa busca, a Polícia Federal (PF) achou uma minuta de decreto, que seria editado por Bolsonaro, criando uma “Comissão de Regularidade Eleitoral”, com maioria de militares, para reverter a derrota eleitoral.

Desde a Flórida, Anderson disse que a minuta estava numa pilha de documentos a serem inutilizados – mas não o foram – no Ministério da Justiça. Decidiu retornar ao Brasil para se entregar, mas chegou sem o telefone celular, que ele teria “esquecido” na Flórida. Durante seu depoimento à PF nesta quarta-feira (18), Torres ficou em silêncio.

O documento menciona a data da diplomação de Lula, 12 de dezembro, o que demonstra que a sua elaboração foi posterior, e Bolsonaro consta como signatário, ou seja, a elaboração da minuta foi anterior ao embarque dele para a Flórida. A tentativa de golpe mencionada por Bolsonaro no seu embarque provavelmente ocorreu nesse período.

Há várias referências na mídia ao protagonismo do general Braga Netto, ex-vice de Bolsonaro, na abordagem aos generais para envolvê-los no golpe. Deve ter usado a fatídica minuta para isso. O seu fracasso teria determinado o auto-exílio de Bolsonaro e teria sido ainda maior se os generais o entregassem. Ainda saberemos mais sobre os atores e os teores dessas conversas.

Homem-bomba

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Anderson continua sendo o principal candidato a homem-bomba, ou a bomba-no-homem, dessa história. Anderson não ficará junto com os outros 1200 golpistas presos na Papuda, pois tem privilégios por ser delegado da PF. Dizem que ele estaria furioso com Ibaneis por conta da exoneração sumária. Talvez seja o suficiente para arrastá-lo para dentro da fogueira. Parece que essa fúria não inclui Bolsonaro, que, no entanto, teme pelo desespero de Anderson com o alongamento da prisão e a expectativa de ficar como bode expiatório principal.

Nem seria justo. Afinal, a minuta de decreto não faz nenhum sentido sem Bolsonaro, signatário e beneficiário direto da sua eventual edição. A omissão conivente de Anderson viabilizou a invasão, mas ele não poderia planejá-la sozinho. Ele está diretamente imbricado, mas, por isso mesmo, dispõe de elementos para incriminar os demais envolvidos. Veremos.

Independentemente dos humores de Anderson, há outro estopim: o celular. A PF afirma que, com a quebra de sigilo, poderá recuperar mensagens do celular “esquecido” na Flórida. Deve ter havido boas razões para esse esquecimento, como registros, mais do que prováveis, de intensos contatos entre os três patetas e outros mais, antes e depois da depredação de Brasília.

E aí?

A situação tende a se agravar. As investigações avançam sobre predadores, financiadores e mentores dos atos terroristas e da tentativa de golpe após o resultado das eleições. Com a posse do novo Congresso, em 1° de fevereiro, o embate político vai esquentar. O PL lançou Rogério Marinho, ex-ministro de Bolsonaro eleito senador pelo Rio Grande do Norte, para disputar a presidência do Senado contra Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

A bancada bolsonarista teme a instalação, no Senado, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar golpes e predações, que já dispõe de apoio majoritário na Casa. Por outro lado, chegam ávidos para atacar e boicotar o governo Lula, embora acuados pela rejeição geral da sociedade aos atos terroristas, dos quais tentarão se desvencilhar.

Mas é no âmbito das investigações criminais que as redes de financiamento e de comunicação da agenda golpista poderão ser desarticuladas. O avanço das investigações e os bloqueios de bens para cobrir os danos causados ao patrimônio público já estão surtindo efeitos. A última convocação golpista, em 11 de janeiro, logo após o 8/1, foi um fiasco. A presença dessas redes é uma ameaça permanente de novos atos de terror e tentativas de golpe.

O fracasso do golpe fortalece o governo Lula. Uma pesquisa de opinião feita pelo Ipec entre os dias 6 e 10 de janeiro apontou que 64% da população acha que o governo está no caminho certo; 26% pensam o contrário e os demais não responderam. A gravidade desse momento histórico enseja aos novos dirigentes muito empenho por resultados, pois muitas são as urgências e muitas serão as cobranças, mas a nação já respira mais aliviada e deve aproveitar bem a oportunidade histórica de sair do abismo em que se meteu.