Foto: Arquivo CB/ DA Press

39 anos da sua morte nesse 22 de agosto e ninguém fica indiferente a Glauber Rocha e ao seu cinema que fala da fome e do sonho em um Brasil em transe e em crise.

Glauber antecipou a chegada de “ridículos tiranos” e do populismo de extrema-direita em Terra em Transe (1967), filme incrivelmente atual que nos apresenta a figura bufona, patética e caricatural de um líder populista que se materializou em 2018 na presidência do Brasil.

O que poucos sabem é que Glauber não foi apenas um dos maiores inventores de linguagem do cinema brasileiro, com obras primas como Terra em Transe (1967), Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) e A idade da Terra (1980) e um polemista incrível.

Glauber renovou a linguagem da TV, com o Programa Abertura, na TV Tupi, de 1979 a 1980, em plena abertura política pós ditadura militar.

Glauber transformou o jornalismo em performance, com intervenções e provocações em tempo real, como um youtuber hoje nas redes, só que 40 anos antes! Esse estilo do “ao vivo” , do desengessado, do informa, que explora o fluxo audiovisual, os limites da encenação e colocam o próprio diretor, seu corpo e voz, em cena ou em off.

Um Glauber personagem e uma câmera instável que quebravam todas as regras do jornalismo e da TV. O programa Abertura se tornou num marco na linguagem da televisão brasileira, como intervenção e provocação.

O que Glauber fez no programa Abertura (1979/1980 na TV Tupi) foi abrir a câmera da TV para uma torrente verbal e um fluxo audiovisual inusuais na televisão.

O apresentador-entrevistador parece pensar alto, diante da câmera e com a câmera, pensamentos e performances detonados pela presença da câmera de vídeo, “forçando” a realidade acontecer.

Glauber alterou a idéia do que é “noticiável”, criando fatos a partir de personagens populares, anônimos, entrevistando políticos, artistas, de Caetano Veloso a um guardador de carros chamado Brizola.

Deixava no ar suas hesitações, gaguejos, silêncios dos seus entrevistados, transformando conversas soltas e quase monólogos em entrevistas performáticas e incorporando sua vida privada como nas lives de hoje!

No meio de uma entrevista entram amigos, passantes, cenas domésticas com a mulher ao fundo e os filhos no colo, como em uma live em que a realidade vazasse.

Exibindo um visual desleixado, vemos um Glauber de cabelos desgrenhados, roupa comum, barba por fazer, dedo em riste para a câmera, olhar perdido para fora do campo visual ou encarando a câmera e o telespectador de forma quase agressiva.

Glauber rompe com quase todas as regras do apresentador “profissional”. Transformando provocações políticas, incidentes na captação, ruídos da rua e dos ambientes e um pensamento em ato.

Frescor e improvisação que o vídeo-jornalismo dos anos 80 iria buscar e que a televisão e agora as redes sociais transformaram, hoje, em quase norma e estilo: a retórica da “espontaneidade”.

Conheci a obra de Glauber Rocha no dia 22 de agosto de 1981 quando ele morreu e me apaixonei. Escrevi um livro Cartas ao Mundo. Glauber Rocha que a Companhia das Letras publicou em 1997 com sua extraordinária correspondência com centenas de figuras, personalidades, artistas, cineastas, cartas para a família, andanças pelo mundo, sobre o cinema e o Brasil e um ensaio de introdução.

Nos seus filmes e obra Glauber falou muito da fome, mas também do sonho, a religião, o misticismo.

“A pobreza repercute psiquicamente de tal forma que este pobre se converte num animal de duas cabeças: uma é fatalista e submissa à razão que o explora como escravo. A outra, na medida em que o pobre não pode explicar o absurdo de sua própria pobreza, é naturalmente mística.”

Glauber continua apaixonante, morreu aos 42 anos, e é um pensador do Brasil e um inventor de linguagens!

Mais sobre Glauber Rocha

https://revistacult.uol.com.br/home/conceitos-da-obra-de-glauber-rocha/

http://revistaalceu-acervo.com.puc-rio.br/media/Alceu_n15_Bentes.pdf

https://www.nexojornal.com.br/podcast/2018/08/31/Como-come%C3%A7ar-a-ver-Glauber-Rocha