‘’É preciso organizar metas de conscientização da sociedade a respeito das raízes dessa violência que sempre nos assolou, e que no atual cenário tende a piorar de forma a nos deixar ainda mais reféns da sorte. Essa consciência só irá surgir a partir de diálogos e da disseminação de informações que confrontem o senso comum que a grande mídia luta bravamente para manter e cegar a população”, Laura Astrolábio.

Recentemente, escutei uma conversa entre três pessoas negras e pobres na entrada de um prédio comercial: uma recepcionista e dois seguranças. Eles estavam falando sobre Big Brother e “um tal de feminismo e direitos das mulheres”. Quando escutei o termo “feminismo” me aproximei mais para ouvir (como boa geminiana). Um dos seguranças estava falando que tem aprendido com o programa sobre feminismo e racismo.

Fiquei curiosa depois disso e fui pesquisar sobre BBB, em uma rápida busca no Google foi possível encontrar as polêmicas dos programas e algumas pautas de movimentos sociais/ativismos que os participantes estão falando a partir de suas experiências pessoais: racismo, gordofobia e feminismo foram as que mais apareceram. Por exemplo: a busca pela palavra sororidade aumentou em 250% no Google após ser usada pela cantora Manu Gavassi.

Me impressiono porque é o Big Brother Brasil, um produto da Rede Globo que faz coro nas narrativas anti PT que contribuíram para o cenário político-fascista em que vivemos hoje. Em se tratando da Globo, fico com meus dois pés atrás. Mas não sou inocente a ponto de achar que apenas o debate entre ativistas de movimentos sociais e partidos, assim como os que acontecem nas universidades, pode alcançar a base a ponto de cultivar uma consciência coletiva capaz de mudar toda a estrutura em movimentos sociais, sala de aula e na internet é válido para mudar toda a estrutura.

A TV aberta consegue chegar em vários territórios e classes sociais que a internet ainda não consegue alcançar. E não é só isso. Existe também o habitus, já que o fato do acesso à internet ter sido ampliado não significa que o usuário que não tem o hábito de assistir a outra coisa que não seja novela e BBB passará a assistir a aulas sobre feminismos ministradas por doutores no YouTube, por exemplo. De todo modo, de acordo com pesquisas recentes, mais de um terço das casas brasileiras não possuem acesso nenhum a internet. E o que falar a respeito do acesso a TV por assinatura, que oferece um conteúdo para além de novelas e BBB? 

E por que é preciso falar sobre isso? Porque até hoje não aconteceu a democratização da mídia e as grandes emissoras de TV se beneficiam das concessões públicas há anos e com suas estratégias se mantém dominando o campo da mídia.

Sendo assim, eles vão ter controle por exemplo sobre qual tipo de conteúdo vai chegar na casa daquelas pessoas que não têm acesso a internet e não podem escolher ainda o que vão assistir como muitos de nós daqui nas áreas urbanas da região Sudeste, por exemplo, podemos escolher quando abrimos nossas redes sociais, o Youtube e os serviços de streaming.

E onde o Big Brother entra nisso? Bom, lembra daquelas três pessoas que comentei no início do texto? O BBB pode ter sido o primeiro acesso delas a debates sobre feminismo ou questões raciais, por exemplo.

Aquelas três pessoas representam boa parte da população negra e pobre brasileira que não possui tempo disponível para ler grandes textões problematizadores sobre BBB. Na maioria das vezes, infelizmente, essas pessoas não estão familiarizadas a conceitos acadêmicos e jargões de movimentos sociais porque a educação no Brasil ainda não é acessível para todas e todos ou porque essas pessoas estão pensando em outras questões como: desemprego, fome, tiroteio na favela, engarrafamento entre a casa-trabalho, saber se o salário vai conseguir pagar aluguel/contas….

O feminismo do BBB que algumas pessoas estão criticando é raso sim. Ele não abrange com profundidade todas as pautas de todos os feminismos. No entanto, a partir de experiências pessoais dos participantes contando sobre as opressões que vivem, essas pessoas também conseguem se identificar e entender o que está sendo dito, mesmo que não saibam nomear. 

Porque situações de assédio ainda são sim naturalizadas por muitas pessoas, principalmente entre aquelas onde o debate ainda não chegou: as pessoas mais pobres, as pessoas negras,  as que estão morrendo vítimas de feminicídio porque pra ela não chegou a hashtag #MeuRelacionamentoAbusivo. 

Tenho sim várias críticas à Globo e ao Big Brother, não acho que a verdadeira revolução vai acontecer por causa disso ou que a Globo “está nas trincheiras com a gente”. Mas fico feliz por esses debates também estarem acontecendo ali, porque é uma forma de popularização das pautas dos movimentos sociais, uma porta de entrada para muitas pessoas que a partir dali podem buscar mais informações sobre feminismo, racismo ou gordofobia, por exemplo.

Vale lembrar também que não é a primeira vez que esses temas surgem no programa. Em outras edições, pessoas negras, gordas e pobres também já abordavam essas questões mas não foram recebidas positivamente pela audiência.

É preciso entender que as pautas precisam sair do conforto de nossas bolhas e chegar à base que ainda não conseguimos alcançar. As estruturas só são modificadas quando avançamos na coletividade e o que para muita gente pode parecer uma discussão óbvia, para muitas pessoas esses debates nem chegaram ainda.

É até classista/elitista/excludente exigir que as pautas feministas estejam em discussões aprofundadas quando a maioria das mulheres por exemplo ainda naturalizam o assédio por não saberem que aquilo é crime.

Se o seu feminismo branco, cis, normativo não furou a bolha, ele não serve para nada além de massagear seu ego em suas redes sociais. 

Bell Hooks já nos disse “o feminismo é para todo mundo” e eu digo mais: ou ele é a libertação para todas as formas de viver o “ser mulher” ou ele é apenas reformista opressor. 

Nossas lutas ganham muito mais se focarmos nossa energia construindo estratégias para incluir mais mulheres em vez de ficarmos tentando lacrar na internet utilizando palavras difíceis, elitistas e excludentes. Vamos construir pontes e somar? Mulher não é um conceito universal. Somos diversas, complexas e não é estratégico para a luta desmerecer as múltiplas formas de fazer com que a consciência de gênero e de raça, por exemplo, chegue na base. 

Referências:

ASTROLABIO, Laura. A crise, a violência no Rio de Janeiro e a Grande Mídia. In Tem Saída?Ensaios Críticos sobre o Brasil. Orgs : BUENO, Winnie et al. Porto Alegre: Zouk, 2017. 

Mais de um terço dos municípios brasileiros não tem acesso a internet: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2018-07/mais-de-um-terco-dos-domicilios-brasileiros-nao-tem-acesso-internet

Busca por sororidade aumentam 250% https://emais.estadao.com.br/noticias/tv,bbb-20-buscas-por-sororidade-no-google-sobem-250-apos-fala-de-manu-gavassi,70003193892