Fascista ou maconheiro
Um fascista pode até fumar maconha, mas jamais será um maconheiro, pois este tem orgulho de ser chamado assim, já que a luta pela legalização da maconha faz parte da luta contra o racismo no Brasil.
Em ato público de lançamento do programa Segurança Presente no Largo do Machado, o governador do Rio de Janeiro foi chamado de fascista. Sem expressar qualquer indignação por sua honra nem se defender da ofensa, Witzel começou a chamar o transeunte de maconheiro. Se quem cala consente, o governador vestiu a carapuça, mas, pelas suas atitudes, não tem vergonha de assumir seu viés ideológico.
O fascismo teve forte influência da teoria lombrosiana, que por sua vez se baseava no positivismo e no discurso científico vigente para afirmar que as pessoas já nasciam criminosas. O tamanho do crânio, da mandíbula e até tatuagens eram características de “criminosos natos”. O ápice do discurso fascista da ideia de superioridade da “raça branca” e dos “arianos” foi o nazismo, que matou milhões de seres humanos em campos de concentração. Essa teoria caiu como uma luva no Brasil após a abolição da escravidão. Mesmo tendo gerado as riquezas do Brasil com o trabalho escravo na cana-de-açúcar, no café e no minério, os negros não receberam um palmo de terra e foram criminalizados pelo sistema penal racista brasileiro de bases lombrosianas.
Quando manda um helicóptero sobrevoar a favela da Maré com policiais atirando de fuzil, Witzel ordena a continuação da histórica política racista de Estado, em maior escala com seus “caveirões voadores”, uma política fascista de raiz lombrosiana. Quando chama alguém de maconheiro, destila seu ódio, pois é a forma racista de atacar quem fuma maconha. Chamada de cânhamo pelos portugueses, a erva foi trazida nas cordas e velas de suas caravelas. Os africanos trouxeram como parte de sua cultura, plantaram em seus quilombos, como o dos Palmares, e a chamavam pelo anagrama de cânhamo: maconha.
Um fascista pode até fumar maconha, mas jamais será um maconheiro, pois este tem orgulho de ser chamado assim, já que a luta pela legalização da maconha faz parte da luta contra o racismo no Brasil. A maior população de negros escravizados do planeta vivia no Rio de Janeiro, primeiro lugar a criminalizar a maconha no mundo, por razões evidentemente racistas: o parágrafo sétimo da Lei de Posturas Municipais (1830) estabelecia três dias de cadeia para os negros escravizados que consumissem o “Pito do Pango”. Assim era chamada a forma pela qual os negros fumavam a maconha, em pequenos cachimbos de bambu e cuia de argila. Até os anos sessenta do século XX, só os negros, índios e pobres fumavam maconha, conhecida também como “fumo de Angola” e “ópio dos pobres”, marcando sua discriminação racista e classista.
Além disso, a importância científica para o desenvolvimento da nossa medicina é imensurável, pois o mundo já descobriu o “sistema endocanabinóide”, moléculas análogas aos princípios ativos da maconha produzidas pelo próprio organismo humano. A legalização da maconha é uma medida possível e concreta para reduzir essa política de segurança pública racista de Estado. Se a maconha pode ser vendida legalmente no Estado do Colorado nos Estados Unidos, por que não pode ser vendida legalmente na favela da Maré? Qual é a dificuldade de colocar algumas flores da planta num embrulho para vender? Por que seu mercado legalizado pode gerar riquezas, tributos e o aumento no PIB num país tão rico e não pode ser legalizado num país tão pobre e terrivelmente desigual?
A legalização da venda da maconha nas favelas é uma questão de reparação histórica, um meio possível de reduzir o racismo de Estado e gerar trabalho e riqueza para as favelas do Rio de Janeiro com seu mercado bilionário de toneladas. Por tudo isso, cantamos na Marcha da Maconha: “eu sou maconheiro, com muito orgulho, com muito amor!
Rio de Janeiro, 19 de setembro de 2019