Essa tal moda sustentável
Se moda é cultura, e traduz historicamente o comportamento de um povo, e como sustentabilidade é uma forma de ser e não de fazer, ela é uma macrotendência.
É uma proposta de novidade de vida, que coloca os interesses coletivos acima dos interesses individuais.
A definição sustentabilidade é “suprir as necessidades da geração presente sem afetar a habilidade das gerações futuras de suprir as suas” foi criada em 1987, no documento “Nosso futuro comum”, elaborado pela Comissão Mundial de Meio Ambiente, criada pela ONU e formada por 21 países. A expressão ficou mais conhecida a partir da Conferência Mundial do Meio Ambiente, que aconteceu no Rio de Janeiro, a ECO-92.
Desde então, a ideia de desenvolvimento sustentável evoluiu para um conceito de sustentabilidade que envolve todas as pessoas e suas atuações, sejam pessoais ou profissionais.
Mas o que isso tem a ver com moda mesmo? Como jornalista especializada há mais de vinte anos, posso garantir que tudo!
Se moda é cultura, e traduz historicamente o comportamento de um povo, e como sustentabilidade é uma forma de ser e não de fazer, ela é uma macrotendência.
O mundo da moda está experimentando uma intensa fase de transformação, por conta da revolução que estamos vivendo com a chegada da internet, ao ponto de ter abalado a estrutura das principais semanas de moda do mundo, que passaram um bom tempo tentando entender essa mudança gigantesca e ainda estão se esforçando para se adequar a esse formato de mundo virtual, que é cada vez mais real.
Esse novo mundo virtual oferece aos consumidores, sem fronteiras, o bem mais precioso que uma pessoa pode ter: a liberdade de escolhas; e ela é ampla, e sobre tudo. É um novo mundo fascinante que autoriza os consumidores a eleger com mais segurança o tipo de estilo de vida que quer levar, a pessoa que quer ser, segundo seus próprios gostos e interesses.
Não há mais as regras fixas que a era industrial ditou por muito tempo, gerando equívocos com suas manipulações estéticas. Agora o que interessa é a diversidade. E obviamente, quando se pode escolher, se escolhe o melhor. Esse melhor, em principio, está se desenvolvendo entre o pensamento de design e a solução de problemas sociais.
O termo sustentabilidade já entrou na moda e se perdeu, ficou banal com o seu uso equivocado pelos que se apropriaram dele apenas para se autopromover ou gerar negócios superficiais e duvidosos. Mas essa força coletiva ninguém segura, e o viver/produzir de forma sustentável se renovou e ganhou outros nomes, como moda ética, moda responsável, moda consciente, moda verde, moda pro novo mundo. Seja lá como você preferir chamar, acredite, essa onda veio pra ficar.
A “moda do repensar” começou com comida, em 1995, quando o jornalista italiano Carlo Petrini fundou o movimento slow food, e foi aos poucos ganhando adeptos, que passaram a rever seus modos de vida.
Os primeiros sinais de mudança reais na moda chegaram na próxima década, quando grandes empresas passaram a buscar associar a credibilidade de suas marcas ao ecologicamente correto.
A moda foi se colocando aos poucos, com pequenas ações, e em 2009 o mercado de luxo se rendeu ao tema, quando a Yves Saint Laurent criou a sua linha eco-friendly, com a coleção “New Vintage 2″, reaproveitando tecidos não usados de coleções passadas para criar novos looks. Atrás dela vieram muitas.
Até a Chanel, que é a marca mais respeitada do mundo, já realizou várias ações sustentáveis, como a de customização de bolsas por uma artista em sua principal loja em Paris.
É, o mundo mudou. Novos materiais não param de ser produzidos e disponibilizados no mercado: pele de cortiça, tecido de pó de café, tecido de fibra de coco, tecido de vinho, tecido de cerveja, tecido de filtros de cigarro, tecido de abacaxi, tecido de bambu, tecido de PET, bioplástico, couro de bucho de boi, couro de peixe e outros animais, couro vegetal de látex, lã de poodle, entre muitos outros. E cada vez mais fibras naturais como linho, cânhamo, alpaca, juta estão sendo redescobertas e tendo seu uso intensificado, assim como a produção de algodão e seda orgânicos.
O novo consumidor adora tudo isso; ainda quer ter o prazer da compra, mas é bem informado e preza direitos humanos e o respeito ao meio ambiente, ou seja, a tudo o que nos envolve.
Pesquisas recentes e confiáveis em vários países, mostram que ele não se importa com marca; ele não quer se vestir como todos, como a massa, e busca reforçar sua identidade com peças exclusivas. Sendo assim, o que ele aprecia na sua compra é a história da peça. Comprar uma peça com alma que tenha sido produzida de forma ética, gera um sentimento de colaboração, de pertencimento. É a chamada “economia afetiva”, que vai de encontro ao principio de valorização de processos que a sustentabilidade propõe. Desse novo perfil consumidor, ainda fazem parte outros valores, como por exemplo mudança na alimentação, com a preferência por produtos orgânicos e agroflorestais, desinteresse por automóveis e adesão ao uso de bicicletas e transportes coletivos, técnicas de construção integradas à natureza, uso de espaços e produtos compartilhados…
Seguramente, entre as exigências de um consumidor de luxo está conhecer a procedência da peça: onde foi feita, por quem, em que condições, e de que matéria prima foi produzida. Considerando que quem direciona o mercado futuro é o mercado de luxo, – pois é modelo ícone de comportamento a ser seguido/imitado -, o mercado futuro será regido por normas de comportamento fundamentadas em conceitos da sustentabilidade, porque, como ostentar se tornou cafona, chic é [e será] ser consciente.
O mundo contemporâneo é um mundo personalizável, e, diante de tantos desafios, como ser um criador de moda sustentável?
Sustentabilidade na moda é um conceito livre, um universo imenso com infinitos recursos, onde se pode mostrar diferentes habilidades, na criação de peças que misturam passado, presente e futuro, e são aceitas em qualquer lugar. Sua essência é a inovação, e isso significa ter um comprometimento com a experimentação, e consequentemente, correr riscos.Moda é considerada sustentável quando é produzida com upcycling, ou com o feito à mão, ou com tecidos reciclados, ou com sobras de tecidos reaproveitados, ou matérias primas naturais ou orgânicas, ou customização, ou a combinação de embalagens pós consumo ou materiais erroneamente descartados como lixo, ou o envolvimento de comunidades, ou a divulgação da cultura popular local, ou a produção em pequena escala, ou a não geração de resíduos, ou com tingimento natural, ou com estamparia artesanal, ou uso de peças vintage.
Na moda vale tudo. Tudo já foi criado por gênios do séc. XX, que promoveram rompimentos estéticos e apresentaram todas as formas possíveis e imagináveis de se cobrir o corpo. Não é fácil determinar as raízes do sucesso de um criador para despertar desejos, mas seguramente para propor o novo, há que se fazer novas escolhas.
Um criador de moda sustentável, a princípio, precisa criar um estilo próprio, a partir de informações do que acontece no mundo e adaptar as ideias ao contexto cotidiano, considerando que o processo de produção é mais importante do que o produto em si.
Uma vez que as matérias primas são padronizadas e as mesmas disponíveis para todos, qual a diferença entre comprar de uma marca ou outra? Os compradores de moda em feiras internacionais são unânimes em reclamar da falta de identidade dos produtos. Aí entra a fundamental importância de uma marca de autor. A sua identidade, traduzida por suas escolhas individuais, ou seja, o tipo de tecido, os aviamentos, o corte, o caimento, as cores, a apresentação do produto o argumento de venda.
Vale lembrar que não se trata de uma fase de criação de identidades, mas de fortalecimento delas. E uma identidade só pode ser fortalecida, quando devidamente conhecida, e assumida. Só assim é possível fazer escolhas relevantes para uma criação. Autoralidade é um conceito da sustentabilidade.
Hoje se questiona a apropriação cultural, e, ao se trabalhar com referências de outros países, há que saber o porque de se usar determinados modelos, comprimentos, detalhes, cores. Os novos consumidores já questionam isso também. Afirmo categoricamente que a ética será um valor fundamental da moda.
O mundo mudou, mas o que ainda mais vemos na mídia são regrinhas ecochatas, que muitas vezes são repetitivas, ineficientes, e são responsáveis por gerar um certo incômodo em quem ainda não tem intimidade com essa nova era fascinante. Independente da escolha de uma pessoa ou empresa em ser sustentável ou não, bate à porta de todos novos dias, que impulsionam mudanças definitivas das quais qualquer cadeia produtiva terá que se adequar: terá que aprender a trabalhar de forma colaborativa; terá que fazer sua gestão de resíduos de forma funcional; terá que assumir a responsabilidade de melhorar as condições de trabalho das pessoas que fazem os produtos e aprender a valorizar todos os profissionais envolvidos no processo; terá que dividir lucros [pois todos devem prosperar], cobrar preço justo, e principalmente, terá que reformular sua maneira de se comunicar.
Fato é que não existe uma única forma de ser sustentável, e estamos ainda descobrindo maneiras de construir essa realidade. A livre combinação de tudo com ecodesign é o caminho a seguir. Moda e moda sustentável ainda serão a mesma coisa.