Em desagravo à Universidade pública brasileira
Um país que investe contra sua Educação, que investe contra sua Universidade, é um país que se autocondena à mediocridade, à obscuridade, à insignificância.
Na madrugada da última quarta-feira (06), fomos assaltados por uma operação da Polícia Federal, em conjunto com Controladoria Geral da União e o Tribunal de Contas da União, que conduziu coercitivamente reitores, ex-reitores e professores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
A ação da Polícia Federal é um absurdo jurídico e uma afronta política. A pretexto de obter informações sobre a administração de recursos federais, conduziu-se coercitivamente o mais alto quadro diretivo de uma universidade brasileira. Quadro esse reconhecido publicamente, com domicílio estabelecido, em pleno exercício profissional e que em nenhum momento se furtaria a prestar os esclarecimentos que lhes fossem solicitados.
De pouco adiantou o martírio do ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Carlos Cancellier. Uma ação que começou por motivos pessoais e usou o aparato repressor do Estado, acabou culminando em um desfecho trágico – a morte de um homem inocente que, como tantos e tantas que trabalham na Universidade, tem como seu único bem a própria reputação.
O caso de Santa Catarina se repete, dessa vez maximizado, em Minas Gerais. O ataque à UFMG é o ataque a uma das melhores universidades da América Latina. Uma universidade que reúne o melhor da intelectualidade nacional, cuja contribuição científica é reconhecida internacionalmente. Um bastião da academia brasileira.
Há dois outros elementos que agravam o episódio. O primeiro deles, a utilização do aparato de repressão do Governo Federal contra o Memorial da Anistia, iniciativa que visa justamente promover o resgate da verdade reprimida pelo autoritarismo da Ditadura Militar, denunciando todos os casos de violência do Estado contra seus cidadãos e cidadãs.
Trata-se de um ataque à tentativa de restabelecer no Brasil o tão elementar direito à memória. Por essa via, intimou-se uma das maiores historiadoras brasileiras, a professora Heloísa Starling, de reputação inquestionável e que conduz as pesquisas em torno do projeto.
Também agrava a forma pela qual o juizado responsável participa do episódio. Repetindo-se a cartilha da qual o foro de Curitiba tem sido protagonista, vemos um judiciário praticamente usurpando os poderes de acusação do Ministério Público, tomando para si a responsabilidade de produzir provas, seja qual for o custo. Saliente-se, os promotores no presente caso posicionaram-se contrariamente aos pedidos de condução coercitiva, posição autorizada pela juíza da ocasião.
Tanta pirotecnia, uma ampla mobilização dos poderes de polícia do país, a banalização do instrumento da condução coercitiva, o desvirtuamento do papel da Justiça – tudo isso para apurar informações sobre algumas notas fiscais. Claro está que tal episódio se soma à triste tendência recente de condenar um patrimônio nacional, para depois destruí-lo e privatizá-lo. Foi o que os inimigos da pátria fizeram com a Petrobrás.
É o que os mesmos inimigos da pátria agora tentam contra a Universidade brasileira – seja pela via da criminalização do corpo diretivo, seja pela via da falsificação de seu propósito, como aquela produzida pelo relatório do Banco Mundial, divulgado mês passado, que persegue a carreira docente e condena a gratuidade nas universidades e institutos federais.
A isso se soma a incapacidade de determinados setores do poder público brasileiro de compreender as particularidades da gestão da universidade, em especial negando sua autonomia administrativa. Modelos de administração empresariais, mesmo aqueles utilizados em nossas estatais, são inadequados quando o que se tem em vista é a ministração de programas de ensino, pesquisa e extensão.
Emerge a necessidade de que o Estado brasileiro, em particular nosso Congresso, dedique-se a formulação de uma legislação mais adequada ao funcionamento das universidades e institutos federais – tendo a autonomia administrativa como cláusula pétrea, mas criando alternativas para financiamento e organização estrutural. A Emenda Constitucional 85, que tive a alegria de propor e fazer aprovar, dá um primeiro passo nessa direção, criando e, em particular, atualizando os critérios que regem a gestão da produção científica e tecnológica no ambiente universitário. Mas muito há de se avançar ainda.
O que não pode seguir é a presente toada de estrangulamento dos recursos para custeio e investimento nas universidades. De redução das bolsas para professores e estudantes. De perseguição às conquistas da carreira docente. Da proibição da abertura de novos cursos de medicina. Da entrega do FIES ao interesse de lucro dos bancos privados. Da ameaça, explícita no relatório encomendado junto ao Banco Mundial, do fim da política de gratuidade da educação oferecida em universidades e institutos tecnológicos federais.
Um país que investe contra sua Educação, que investe contra sua Universidade, é um país que se autocondena à mediocridade, à obscuridade, à insignificância.
Nós não vamos tolerar esse estado de coisas. Não vamos aceitar novas afrontas a esse espaço da democracia e da liberdade que é a universidade pública. Não vamos admitir que absurdos como esse repitam-se cotidianamente. Por isso, a Frente Parlamentar em Defesa das Universidades Federais vai exigir do Ministério da Justiça que tome providências ante o caso, especialmente a remoção do diretor da Polícia Federal que autorizou tamanha arbitrariedade contra a UFMG.
Estejam avisados, nós aqui vamos lutar e vamos vencer. Ninguém pisa impunemente na UFMG e ninguém pisa impunemente na Universidade brasileira. À UFMG, a seus dirigentes e a sua comunidade acadêmica, nossa solidariedade.
Viva a Universidade brasileira!