Quando fui convidado para ser colunista do Mídia NINJA em janeiro deste ano, imediatamente pensei em utilizar este espaço para amplificar as vozes de artistas e profissionais negros que conseguiram romper as barreiras das estruturas racistas presentes em nossa sociedade por meio de suas obras e trabalhos. Em cada entrevista conduzida, optei por manter uma pergunta constante, proporcionando aos entrevistados a oportunidade de compartilhar suas perspectivas sobre o progresso da pauta racial no Brasil.

Na coluna de hoje, fiz uma revisão das diferentes respostas que foram dadas a essa pergunta para podermos compreender exatamente em que situação estamos, para nos situarmos, buscar novas táticas para superar esse problema estrutural e construir um futuro mais seguro para as futuras gerações.

Leiam com muita atenção e confira as respostas de diferentes artistas, profissionais e ativistas do movimento negro sobre a pergunta: A questão racial avançou no Brasil?

 

AD Junior (influenciador digital, palestrante, apresentador e ativista)

Sim, a questão racial avançou no Brasil e muito. Temos visto que, principalmente, nos últimos vinte anos, muita coisa foi discutida nas redes sociais, que trouxeram uma pauta que estava muito na academia para o dia a dia das pessoas. Uma coisa acabou alavancando a outra; a quantidade de pessoas pretas que entraram nas universidades, desde o sistema de ações afirmativas, a quantidade de discussão social que aconteceu a partir das redes sociais e também a nova geração que hoje está aí com 20 anos e tem outra mentalidade, se coloca de uma forma muito mais veemente sobre raça, classe e gênero.

Tivemos um avanço tremendo nas discussões sobre gênero, sobre sexualidade, sobre diversidade. É muito importante trazer pautas como, por exemplo, a importância da cultura indígena no Brasil, a importância da valorização das Pessoas com Deficiência (PCDs) e da problemática do capacitismo.

A pauta racial também acompanhou outras pautas que avançaram ao mesmo tempo, em um país que está em profunda mudança, um país que é jovem, que tem uma média de idade jovem, ou seja, é um país que está saindo ainda daquele lugar de timidez na discussão, até mesmo de silenciamento em alguns casos para um lugar de apontamentos. E para onde ele está apontando?

Ele está apontando que a geração que vem agora não mais vai se calar, não mais vai ficar quieta em relação à sua importância enquanto indivíduo na sociedade, seja ele gay, lésbica, bissexual, travesti, seja PCD, sejam negros, sejam indígenas. Estamos falando de um avanço na sociedade em tudo o que a pauta racial também faz parte.

 

Sandra de Sá (cantora e compositora)

Isso aí é uma parada altamente delicada, principalmente no país que a gente vive. Eu acredito que as discussões tenham avançado, mas as medidas efetivas não. Ainda que tenhamos uma representatividade maior na política, inclusive com pessoas da comunidade LGBTQIAPN+, como a deputada federal Erika Hilton, o Brasil ainda é um país extremamente violento para pessoas negras, especialmente para as mulheres. Das vítimas de feminicídio no país, 62% são negras, além de que é a população que mais morre em confrontos com a polícia, homens ou mulheres. Estes são dados da Anistia Internacional, não sou eu quem tá falando, tá ligado? E eu não falo só de violência física, não! Mas também tem o sofrimento psicológico, que afeta principalmente jovens. O índice de suicídio é 45% maior entre jovens negros em relação aos brancos segundo o Ministério da Saúde. E eu acredito que, para além das discussões, faltam medidas públicas e intencionalidade para o combate ao racismo no Brasil.

 

Clayton Nascimento (ator, diretor e dramaturgo)

É muito importante dizer que há, sim, avanços em relação à luta antirracista no Brasil e no mundo. Nós já conseguimos falar abertamente a palavra “racismo”, conseguimos encontrar traços, vê-lo no cotidiano, identificá-lo, denunciá-lo, porém, por outro lado, há perfis do racismo no Brasil ainda muito profundos, e é isso que eu tento discutir no espetáculo “Macacos”. Qual é a origem disso tudo? É curioso que eu dê nome a esse espetáculo em 2015 quando vejo o jogador Aranha, goleiro do Santos na época, ser xingado de macaco pelos torcedores do Grêmio e então eu dou o nome a este espetáculo e sete anos depois ele se mantém completamente atual, porque o Vini Júnior foi xingado da mesma coisa mais uma vez. Dessa forma, há muitos avanços que ainda precisam ser ressignificados.

Por exemplo, o caso do Max em São Conrado, no Rio de Janeiro, quando ele leva uma chibatada da coleira do cachorro de uma moradora do bairro. Ele foi atacado por uma professora chamada Sandra Matias Corrêa. Se uma professora vai às ruas e demonstra uma atitude dessa enquanto postura social, isso só demonstra que as raízes do racismo são muito profundas na nossa nação. E repito, é mais uma das discussões que eu levo ao espetáculo “Macacos”, investigar nas entranhas da formação deste país como nos consolidamos como uma nação que ainda é racista, que tem traços profundos no seu cotidiano.

Quando, por exemplo, vamos para uma vaga de emprego e comumente as mulheres negras são pedidas para mudar o cabelo delas; ou quando rapazes negros são vistos como homens perigosos, homens de 20 a 35 anos, que tem entre 1,70 e 1,80 metros de altura, quando essas figuras, quando esses cidadãos estão andando nas ruas à noite e a outra pessoa atravessa a calçada porque se fez no imaginário brasileiro a ideia de que esses homens e mulheres são perigosos devido à sua cor de pele; e finalmente, quando chegamos às universidades públicas, qual é a porcentagem de um jovem negro e periférico dentro delas? Em um mestrado, um doutorado, até mesmo numa graduação? Isso ainda são traços do racismo que está impregnado na nossa sociedade.

 

Chef João Diamante

Eu acho que a gente vem em uma crescente bem interessante. Acho que depois da catástrofe que aconteceu com o George Floyd, nos Estados Unidos, a coisa deu uma reviravolta muito significante e eu senti isso no dia a dia como algo muito importante. Logicamente que a gente está muito longe de onde a gente quer atingir, de onde a gente quer chegar, aonde a gente pode estar como direito. Mas avançou muito, sobretudo depois desse momento.

A gente pode falar no momento antes de George Floyd, e depois da morte de George Floyd, infelizmente. As nossas grandes revoluções acontecem em catástrofe, você pode pegar a história toda aí e você vai observar isso. Mas após a morte de George Floyd, a evolução que teve, aí não só no Brasil, mas no mundo, sobre pautas raciais, foi muito grande e continua evoluindo, mas está longe do que a gente precisa ter.

 

Rodrigo França (diretor, ator, dramaturgo e filósofo)

Negar o avanço seria negar uma luta histórica. A gente saiu do lugar, mas eu não gosto da falsa simetria, de acreditar sobre “pretos no topo”, sobre a “favela venceu”. Imagina, nós somos 56% da população brasileira, e a maioria continua numa miséria. A maioria não tem acesso ao básico. A gente caminhou, temos a lei das cotas, cerca de 51% dos empreendedores sendo negros e negras – mesmo ainda sendo difícil empreender. Dessa forma, não dá para falar: “olha, está tudo muito bem, obrigado”. E quando penso no hoje, tenho muita cautela de não julgar gerações. Sou contemporâneo, mas tenho um olhar também muito forte do passado, dos mais velhos, por acompanhar alguns, como Abdias do Nascimento, dona Ruth de Souza, Léa Garcia.

Eu conheci muita gente, quando penso em arte, muita gente que são referências, mas a única coisa que eu posso sinalizar é: é impossível caminhar para frente sem olhar para trás. Eu deixo esse alerta, esse sinal amarelo para essa nova geração em relação a isso. A gente não inventou a roda. Não adianta ter qualquer discurso sobre letramento racial, sobre politização, porque são coisas diferentes, sem buscar o conhecimento.

 

Manoel Soares (jornalista, apresentador e ativista do movimento negro)

Na verdade, eu não sei se podemos chamar isso de demora. Você tem 35 anos hoje, e quando você nasceu, fazia 100 anos que pretos eram pessoas. Dessa forma, eu vejo como um pouquíssimo tempo de humanização para tanta exigência. Nós, pretos, precisamos ser mais gratos aos que vieram antes, como Lélia Gonzalez, Abdias do Nascimento, Milton Santos, Oliveira Silveira, porque eles conseguiram fazer em 100 anos o que a China não conseguiu fazer em dois mil anos. Em 100 anos, eu saí de um vendedor de mercadoria do centro de São Paulo para um apresentador de televisão. E a pauta não avançou? Isso não é bondade do opressor, isso é a luta do nosso povo. Uma vitória linda!

Mas é óbvio, existe uma questão de letramento social que pretos e brancos vão ter que fazer. Primeiro, a pauta do racismo é uma coisa, a questão racial é outra. E hoje essas coisas são sinônimos na sociedade. A pauta racial é a influência da diáspora preta, é o black money, é o Vale do Silício que tem no Quênia, são todas essas belezas e multiplicidades que tange a pauta racial. A capacidade que uma criança tem de aprender seis línguas em um só corpo, é todo o manancial que o continente africano nos traz. A questão do racismo é o sistema que as pessoas brancas criaram para que toda essa beleza não seja vista e reconhecida.

 

Jota.pê (cantor e compositor)

Eu acho que avançar com certeza. Acho que a gente avançou. Olhando historicamente, na verdade, né? Eu acho que é nítido que a gente não avançou o quanto deveria. Porque se a gente tivesse avançado o quanto deveria, a gente não ia estar tendo essa conversa agora. Esses pontos já seriam todos resolvidos e a gente já ia tá falando sobre outra coisa. Mas eu acredito, sim, que a gente avançou muito, a gente avança muito. É uma pena que esse tipo de discussão não tenha se tornado pauta real em meios de comunicação. E assim, não tendo espaço mesmo para ser dito para além da nossa comunidade tão recentemente. Porque é isso, é uma discussão complexa. Falar de racismo e de todas as consequências e motivos e origens. É um assunto muito complexo. A gente ainda, até como comunidade, ainda tá descobrindo muita coisa, entendendo muita coisa e vendo como resolver muita coisa. Justamente por ser um lance complexo. Acho que ninguém tem essa solução, assim, de resolver. “Ah, resolvemos assim”. Não é assim que funciona. Então a única parte chata é isso. Eu acho que demorou muito para ser um assunto de todos. E mesmo assim, mesmo que exista uma vontade de que a pauta seja um assunto de todos, tem muita gente que não tá nem aí para isso, e isso atrasa muito a resolução do que a gente quer.

 

Rael (rapper)

Acho que avançou porque tem se falado mais. Antigamente não se falava de racismo, não tinham denúncias e tal. Mas acho que ainda faltam punições mesmo. As pessoas que cometeram esses atos, na hora que for procurar um trampo, tem que consultar lá no B.O. Tipo, “opa, tem um B.O aqui, mano”. Acho que as leis têm que ser um pouquinho mais rígidas, mas eu acho que a pauta racial avançou, sim. E tô vendo um esforço nas mídias pra ter um pouco mais de diversidade. Embora a gente, às vezes, entenda que não é que eles querem muito fazer isso. É porque já não tem mais pra onde correr, já tá escancarado. Isso precisa ser externado e esses espaços precisam ser preenchidos. Eu acho que tá rolando uma revolução, sim, mas lenta. Conforme a história do país, conforme o tamanho da população preta, essa revolução é lenta. Mas eu nasci em 1982, e desde quando me conheço como homem preto, vejo que eu nunca vi como agora. Eu nunca vi como agora também essas pautas e essas discussões, essa coisa sendo colocada na mesa. Pra mim é a primeira vez que isso tá acontecendo. Então, eu acho que é o primeiro passo pra essa pauta estar mais em evidência ainda.

 

André Menezes (visão do colunista sobre a provocação da pergunta)

Acredito que podemos, sim, afirmar que a pauta racial avançou no Brasil, porém, ainda há desafios estruturais, como a falta de representação em diversas áreas, as diferenças socioeconômicas e a existência de práticas discriminatórias. O avanço da questão racial no Brasil requer não somente ações pontuais, mas uma profunda mudança nas estruturas sociais, educacionais e econômicas, visando uma sociedade mais justa e igualitária para todos.