Cumê.
Inchê o bucho.
Passá padentu.
E na pandemia…
Lavar louça.
Entre essas duas funções…
Viver.

Comer tem um significado simbólico tão forte e tão grande que até na bíblia é defendido.
Em Mateus 15:11 se diz que: “Não é o que entra pela boca que contamina o homem, mas o que sai da boca.”
Atualmente devem ser guardadas as devidas proporções, claro. Veja-se por aí que, de drogas lícitas e ilícitas usadas com o consentimento de quem usa, até os agrotóxicos liberados como se fosse a lista de vitaminas em rótulo de polivitamínico, nem tudo que entra pela boca pode dar o prazer que se espera.

Ópocevê!

Comer envolve tantos aspectos além da sobrevivência do corpo que vale a pena citar os versículos:

1 Ainda que eu pudesse comprar arroz, se não tivesse o SUS, eu nada seria;
2 Ainda que eu plantasse a comida dos homens, e fizesse o manjar dos anjos, sem a Amazônia, o Pantanal e o Cerrado, eu seria como o tiro que retine, mas é sempre bala perdida a acertar direto e reto na barriga da miséria;
3 Ainda que o auxílio emergencial fosse de 1k doletas, se eu não tivesse paz para ser mulher, ou criança, ou não-branca, ou não-cisheteronormativa, ou pessoa com deficiência, eu não comeria;
4 É só a voz do lugar de fala que conhece o que é verdade;
5 Representatividade é bom. Não quer o mal. Não sente raiva, ou se envaidece.

Comer o mundo. E arrotar verdades. Vomitar o arco-íris de todas as nossas cores além das duas com que nos rotulam.
Em algumas culturas, arrotar significa imensa satisfação física e degustativa pelo que foi servido. É dizer ao anfitrião ou anfitriã que a sua comida foi totalmente absorvida, degustada, aproveitada e que não sobrou nem um espaço sequer para o ar dentro do estômago. E essa é a devolutiva. O agradecimento. Também significa o quanto estar ali tem sido agradável e a pessoa se sente acolhida e muito bem aceita.
Mas, isso só é possível quando se tem saúde física, mental e emocional para comer. Quando se tem os objetos próprios e necessários para isso. Quando se está em condições pacíficas (externa e internamente). Quando o ambiente é propício e acolhedor. Quando a pessoa se sente muito bem vinda, respeitada e sabe que está entre os seus.
Ninguém quer comer com o inimigo.

Você já imaginou não poder ver o que te servem? E não saber o que tem no prato?

Ou não conseguir dizer o que você quer comer a um desconhecido que precisa lhe servir?

E quando você era criança que uma pessoa adulta botava as coisas mais horríveis no seu prato e você tinha obrigação de comer? Imagina ser assim até hoje porque sua opinião não vale?

E ficar sem comer porque o seu corpo não te obedece?

Imagina então, não alcançar a comida que está a alguns centímetros acima de você?

A mesa está posta, o prato servido. E você não tem mãos, nem talheres adequados. Já pensou?

Você não pode comer nada do que foi servido porque tem alergia. Mas você não é uma pessoa oralizada e ninguém entende o que suas mãos tentam dizer. Você será vista como uma pessoa fresca e mal educada se empurrar o prato. Mas, poderá acabar no hospital se puser aquilo na boca.
Arroz por cima do feijão ou vice-versa? E se esta imagem te fizesse entrar em crise só porque um está encostando no outro?

Tudo bem que agora anda difícil até ter o arroz e o feijão à mesa, no entanto, há alguns meses, isso seria uma questão.

Agora, mirmã, você que lute e fique só com a uva passa mesmo.
Imagine morrer de uma doença séria no seu estômago porque você tem uma doença mental (e é favor não confundir com deficiência intelectual), mas todo mundo pensa que você não come por causa da depressão? E não te dão atenção e tratamento! Ao contrário, te forçam a comer para evitar que fique fraca e desnutrida, ou morra por inanição.

Como comer e degustar o mundo nessas condições? Como se nutrir dele?
Como arrotar verdades e vomitar arco-íris com a barriga e a cabeça cheias de vento?
Acessibilidade Comunicacional que chama, fi.

Audiodescrição, hashtag #pracegover, legenda descritiva, janela de libras, conforto visual e auditivo, linguagem clara e simples, braille, acessibilidade atitudinal, escuta ativa, dentre outras.

Antes de condenar o que sai da boca. Veja se tem alguma coisa entrando nela. E se tiver, veja se é saudável. Por que gente produzindo porcaria pra vender de forma acessível tem muito. Tá é cheio. Cobram por título de eleitor.
Talvez seja necessária uma reeducação alimentar e uma desintoxicação antes.