Direto do Confinamento: o Exército é o limite
Bolsonaro é militar, mas foi afastado do Exército por mal comportamento, insubordinação, e desrespeito à hierarquia. Em 28 anos de mandato como deputado, defendeu com unhas e dentes os interesses corporativos de policiais e militares – apesar de, junto com os filhos, manter relações estreitas com milicianos.
Bolsonaro é militar, mas foi afastado do Exército por mal comportamento, insubordinação, e desrespeito à hierarquia. Em 28 anos de mandato como deputado, defendeu com unhas e dentes os interesses corporativos de policiais e militares – apesar de, junto com os filhos, manter relações estreitas com milicianos. Como candidato, teve forte apoio entre policiais e militares, sobretudo de baixa patente. Mas a escolha do general Hamilton Mourão como vice, além do seu crescimento como opção contra o PT, facilitou a sua absorção pela hierarquia militar.
Como presidente, Bolsonaro reduziu o número de ministérios, mas nomeou mais militares entre ministros e altos dirigentes do que governos da ditadura. Mais importante: além de atenuar o impacto da reforma previdenciária para policiais e militares, Bolsonaro aumentou significativamente o gasto militar em plena crise fiscal, enquanto todos os demais serviços públicos sofreram cortes e desmontes.
Segundo bolsonaristas, os militares que “servem” ao governo não o abandonarão em nenhuma hipótese. “Se o Bolsonaro disser: fiquem!, eles ficam. Ordem não se discute, se cumpre!”, nas palavras da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP).
Com a nomeação do general Braga Netto para a Casa Civil, militares passaram a ocupar todas as funções ministeriais do Palácio do Planalto. Foi uma opção concomitante ao aumento dos conflitos do presidente com o Congresso e os partidos políticos, inclusive o PSL.
Porém essa compulsão por blindar-se, cercando-se exclusivamente de militares, pode ser sinal de fraqueza. O presidente está exausto. Alimentou conflitos e inimigos em excesso e perdeu aliados de primeira hora. Decidiu convocar manifestações de rua sobre os demais poderes para compensar a sua incapacidade de articulação política e interinstitucional.
É evidente que o general Braga Netto consultou o presidente quando fechou acordo com os dirigentes do Congresso sobre emendas ao orçamento federal. Mas o general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, foi flagrado, no palácio, acusando de chantagem os interlocutores do acordo e homenageando o Congresso com um sonoro “foda-se”. Foi o sinal para chamar radicais às ruas e ameaçar o Congresso.
O general Santos Cruz, após a sua demissão da Secretaria de Governo, tornou-se porta-voz informal de oficiais incomodados com os danos que Bolsonaro está causando à imagem do Exército, ao associá-la a decisões equivocadas, posturas radicais e erráticas. Enquanto a infecção pelo coronavírus avança nas hostes palacianas, a orientação no Ministério da Defesa é reforçar a imagem positiva das instituições militares junto à população e evitar associação a Bolsonaro.
“O Exército não deve servir ao governo, mas ao povo. O nosso papel é pela defesa da pátria e garantia da lei. Nós não somos servidores do governo, somos servidores do povo brasileiro. Os governos são carregados de programas partidários”, afirmou o general Alberto Mendes Cardoso no final do ano passado. Ele foi ministro da Casa Militar do governo Fernando Henrique, quando idealizou o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Sua declaração reflete a posição predominante entre generais da ativa.
Também já havia sinais de fissuras no apoio ao presidente naquele período. Com a lei proposta pelo governo para reestruturar a carreira, os militares terão agora que permanecer 35 anos – cinco a mais – na ativa para se aposentarem, entre outras mudanças. Mas o que mais revoltou os praças foi que, até 2022, a lei prevê 45% de aumento nos salários dos oficiais e só 4% para as carreiras de baixa patente.
“Cabos e soldados estão com raiva do presidente e dos oficiais”, disse à Agência Pública o cabo reformado do Exército Marcelo Machado, presidente da Associação Nacional dos Militares do Brasil (ANMB). Há um sentimento de traição na base militar de apoio a Bolsonaro.
O presidente, a despeito da sua própria imprevidência, convocou as Forças Armadas para apoiar o combate à pandemia, o que seria esperável. O verdadeiro “posto Ipiranga” das mazelas tem sido o Exército, convocado para missões estranhas à sua função. Há um justo receio na tropa de que uma atuação improvisada e desaparelhada frente à crise de saúde grave e peculiar possa resultar em danos incalculáveis à saúde e à vida dos soldados e dos seus familiares.
Bolsonaro continua apostando em esticar ao infinito a corda dos conflitos. Ontem, em pronunciamento em cadeia nacional, teve a ousadia de contestar a política de isolamento para combater a epidemia, contra as determinações das autoridades sanitárias mundiais e do seu próprio ministro da Saúde. Mesmo em grave crise epidêmica, ele quer suprir com acusações públicas a sua incapacidade de conversar com os governadores. Se ele conta que, no limite, o Exército vai sustentá-lo no poder contra tudo e contra todos, é melhor que considere as palavras do general Cardoso e reavalie o seu cacife. No entanto, Bolsonaro dá sinais de que prefere o suicídio político a admitir os seus graves erros.