Direita rachada
A ira demoníaca dos evangélicos bolsonaristas contra os líderes do “centrão” e da bancada governista no Congresso Nacional explodiu. Os blocos em conflito também estão rachados internamente.
“Safadeza”! Foi assim que o pastor Silas Malafaia expressou a sua revolta contra o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) e três ministros de Bolsonaro – Ciro Nogueira (PP-PI), Flávia Arruda (PL-DF) e Fábio Faria (PSD-RN) – pelo boicote à indicação de André Mendonça, Advogado Geral da União, para ministro do STF, Supremo Tribunal Federal. “Nós, evangélicos, não somos palhaços”, completou o deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP).
A ira demoníaca dos evangélicos bolsonaristas contra os líderes do “centrão” e da bancada governista no Congresso Nacional explodiu após eles sugerirem o nome de Alexandre Cordeiro, presidente do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), para a mesma vaga que seria de Mendonça, o “terrivelmente evangélico”, segundo o presidente Jair Bolsonaro.
Os blocos em conflito também estão rachados internamente. O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, acusou o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), de agir pelas suas costas para tentar derrubar Flávia Arruda da Secretaria de Governo. Para o lugar da pupila de Valdemar no PL, Lira tentou emplacar Celina Leão (PP). Agora Valdemar ameaça lançar outro candidato à próxima presidência da Câmara, rachando o bloco que elegeu Lira.
Filha de pastor, conservadora e eleita duas vezes com o apoio da Assembleia de Deus, a deputada Geovania de Sá, presidente do PSDB de Santa Catarina, declarou apoio ao governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, nas prévias do partido para a escolha do seu candidato ao Planalto em 2022. A Convenção das Igrejas Evangélicas Assembleia de Deus de Santa Catarina e Sudoeste do Paraná divulgou uma nota negando apoio à sua reeleição, enquanto muitos fiéis locais se solidarizam com ela.
Crises ministeriais
“Falta de consideração”! Foi o que disse o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, sobre o corte de R$ 625 milhões previstos no orçamento da pasta para o financiamento de pesquisas científicas, anunciado pelo Ministério da Economia. Ele disse que “pensou” em deixar o cargo, enquanto instituições de pesquisa como a ABC (Academia Brasileira de Ciências) e a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) denunciaram os cortes e o oportunismo do ministro em permanecer no cargo.
Também balança o ministro da Economia, Paulo Guedes, diante da denúncia do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, de que ele fundou a Dreadnoughts International, uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal no Caribe. Guedes depositou nela 9,55 milhões de dólares, que valem hoje R$ 51 milhões. Guedes vetou um dispositivo da reforma tributária que previa a cobrança de impostos de offshores: ele enriquece com a desvalorização do real.
Não andam nada bem as relações entre dirigentes do Ministério da Saúde. Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho da pasta, também conhecida como “Capitã Cloroquina”, registrou um boletim de ocorrência denunciando João Lopes, chefe de gabinete do ministro Marcelo Queiroga, que disse que ela deveria ter cuidado e se preparar, porque “vai ver a mão de Deus” sobre ela. Mayra sentiu-se ameaçada de violência, mas Lopes alega que estava apenas “usando um jargão evangélico”. É o ministério dos 600 mil anjos!
Os bolsonaristas estão se estranhando com o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, que, apesar de ter sido recém indicado para mais um mandato à frente do MPF (Ministério Público Federal), tem feito um cerco aos aliados de Bolsonaro. Além de ter aberto o inquérito das milícias digitais, a PGR pediu, ou defendeu, a prisão de militantes bolsonaristas. No entanto, eles ainda o poupam e preferem concentrar seus ataques ao STF, já que Aras tem o poder de denunciar o presidente e, em outros processos delicados para o governo, tem atuado conforme os interesses do Planalto.
Outros conflitos
Andam tensas as relações entre Arthur Lira e o primeiro vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos, ambos eleitos com o apoio do Planalto. Enquanto Lira se esmera em apoiar Bolsonaro, Ramos tem atuado de forma crítica ao governo, chegando a ameaçar com a abertura de um processo de impeachment em uma eventual substituição de Lira. Ambos negam notórias divergências. Ramos dissimula: “No exercício da presidência, estarei sempre vinculado às orientações dos líderes, da Mesa e do presidente”.
A situação está crítica também no PTB, outro partido da base do governo, presidido pelo ex-deputado federal Roberto Jefferson – preso em Bangú 2 por reiteradas ameaças ao regime democrático, em especial ao STF. O PTB, que disputa a filiação do Bolsonaro com outros partidos da base governista, está promovendo o expurgo de dirigentes menos afinados com o governo, inclusive da ex-deputada federal Cristiane Brasil, filha de Jefferson.
Continua conturbada a relação entre Bolsonaro e o seu vice, Hamilton Mourão, que preside o Conselho Nacional da Amazônia mas foi preterido da condição de chefe da delegação brasileira junto à COP-26, a conferência da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre as mudanças climáticas globais – que ocorrerá em novembro em Glasgow, Escócia. O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, a chefiará.
Estes são apenas alguns dos conflitos mais recentes que consomem a direita. Pode até ser que, mantido o atual quadro de polarização, ela volte a se unir pela reeleição do Bolsonaro. Mas tudo indica que 2022 será muito diferente de 2018.