Desalentos e desencantos na educação brasileira
“Triste país em que a burrice, em sua forma bruta, intocada por qualquer livro, impera no pensamento de quem nos governa.”
Aos que achavam que a saída do ex-ministro Vélez Rodríguez do MEC poderia representar o resgate de alguma decência e dignidade necessárias à condução da pasta, sobrou apenas um triste desalento: o novo ministro, Abraham Weintraub (Educação) demonstra ter ainda mais disposição para travar “guerras ideológicas” do que o seu antecessor.
Também discípulo de Olavo de Carvalho – credencial que causaria vergonha a qualquer acadêmico cientificamente honesto – o ministro afirmou, dias atrás, que o governo pretende investir menos em cursos de sociologia e filosofia e mais em conhecimento técnico. Alegou ser essa uma forma de “respeitar o dinheiro do pagador de impostos”.
O ministro também declarou, durante a última semana, que cortará recursos de universidades que não apresentarem desempenho acadêmico esperado e, ao mesmo tempo, estiverem promovendo “balbúrdia” em seus campi.
Na ponta do primeiro corte de sua afiada navalha entraram UFBA, UFF e UnB. Ocorre que, ao contrário do que afirmou o ministro, todas as três universidades que sofreram contingenciamento em seus orçamentos melhoraram os seus indicadores de qualidade no ensino, pesquisa e extensão nos últimos anos, galgando novas posições em rankings que já as apontavam dentre as melhores do Brasil e do mundo. Não satisfeito, dias após, o ministro estendeu o corte, de forma linear, a todas as universidades e institutos federais do país.
“Se está cortando é porque já têm muito”, diriam os bolsonaristas mais ferrenhos sobre as universidades. Não é verdade. Dados divulgados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE comprovam que o Brasil é o último colocado, dentre 39 países avaliados, no ranking de gastos com universidades e com o ensino superior.
A coleção de impropérios do ministro não começou – e certamente, não terminará – por aqui. “Comunista tem que levar tiro na cabeça”; “alunos têm direito de filmar professores”, dentre outras pérolas são assertivas que demonstram a disposição para travar uma verdadeira “cruzada anti-esquerdista” motivada pelo ódio, pelo autoritarismo e por uma tara ideológica incompatíveis com o múnus público que ele deveria desempenhar.
Na lógica subjacente (no que está por trás) de tais declarações bizarras, bem como dos ataques contra as universidades, para muito além da sanha de conter o livre pensar e patrulhar o pensamento crítico, está o desejo de sucatear as universidades, para justificar a suas privatizações e fortalecer as instituições particulares de ensino.
De todas as declarações polêmicas do ministro, a mais recente ocorreu no mesmo dia em que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) afirmou que deseja a mudança do patrono da Educação. Paulo Freire, reconhecido mundialmente pela excelência de seu trabalho acadêmico e pela eficiência de seu método de alfabetização de adultos, se transformou em alvo de ataques e vilipêndios.
Sem palavras para descrever mais um capítulo dessa ode ao grotesco, de apologia à ignorância, encerro esse artigo com um texto da professora Elika Takimoto. E aos educadores e estudantes que seguraram o turíbulo para incensar esse tipo de massa biológica amorfa travestida de gente, vai um conselho: já é um pouco tarde para se arrepender, mas, nunca é tarde para recomeçar:
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“A obra de Freire mais conhecida, ‘A Pedagogia do Oprimido’, foi traduzida em mais de 20 idiomas. Estudo de 2016 feito na London School of Economics afirma que é a terceira obra mais citada em trabalhos na área. Por suas pesquisas, recebeu nada menos que 41 títulos de doutor honorário em diversas universidades do mundo, inclusive Harvard e Oxford.
Além disso, recebeu uma variedade de prêmios, por diferentes países e organizações, dentre eles o Prêmio Andres Bello, da OEA (Organização dos Estados Americanos), como Educador dos Continentes. Também aparece como único título brasileiro na lista dos cem mais referenciados por universidades de língua inglesa.
Premiado internacionalmente e considerado um dos maiores educadores do mundo, Paulo Freire se tornou patrono da educação brasileira através de uma lei de 2012.
Agora, já existe um projeto de lei protocolado para revogar o título: ‘Não podemos aceitar que nossa educação seja pautada por um ideólogo marxista’ [declarações da deputada federal Caroline de Toni (PSL/SC), autora do projeto de lei que visa retirar, de Paulo Freire, o título de patrono da Educação brasileira].
Abraham Weintraub associou, na cerimônia de posse como ministro, os baixos indicadores de educação brasileiros à metodologia de Paulo Freire. Bolsonaristas passaram a defender que Olavo de Carvalho, ideólogo da direita, fez mais pela educação que Paulo Freire.
Triste país em que a burrice, em sua forma bruta, intocada por qualquer livro, impera no pensamento de quem nos governa.”