#DebateNaBand: Direita se digladia e esquerda pode se aproveitar do “dividir para conquistar”
Cabo Daciolo foi destaque e Bolsonaro coadjuvante
Prenúncio da Nova Era, talvez uma sombra do que foi chamado de Nova Ordem Mundial, os candidatos podem não representar novidade na política, mas a forma de estruturação estratégica dos seus discursos colocam a televisão em segundo plano e isto sim é uma novidade. Para muitos candidatos a televisão está sendo utilizada como um gerador de memes, um instrumento para a repercussão massiva na internet no dia seguinte. Os candidatos almejam, assim, viralizar seu rosto e sua mensagem dentro e fora das bolhas pessoais de seguidores nas redes sociais. Falem bem, falem mal, mas falem de mim! Esse é o espírito de muitos candidatos que na era das “fake news” já não se importam com a coerência, verdade, nem sobriedade nos discursos. Só se importam em ser a última sensação nas correntes de WhatsApp.
A noite passada marcou, com nitidez, a confusão e a imprevisibilidade desta eleição, por apresentar cenários absolutamente diversos dos já vividos no País, como um candidato ex-presidente que, tido como mais expressivo nas pesquisas, está preso e impossibilitado de fazer sua campanha política. Ou um candidato de extrema-direita que dá voz a um público autoritário e racista, cujo discurso legitima e normaliza violências, um cenário de assustar os prognósticos mais pessimistas daqueles que acreditavam na evolução lenta e progressiva dos direitos fundamentais. Ou, se não bastasse, outro candidato, o único outsider, Cabo Daciolo (Patriotas), que busca rivalizar o posto de maior conspirador da história com Jair Bolsonaro (PSC) – que um dia também já foi levado na brincadeira e hoje se tornou ameaça real para a democracia, com riscos reais de eleger uma chapa militar para o Governo brasileiro.
Às dez horas, iniciavam-se os debates na Rede Bandeirantes. Os candidatos estavam à postos, com seus assessores monitorando os índices de trackeamento político e as redes sociais. A expectativa era de estreia de Copa do Mundo para os novatos. Enquanto alguns chegaram em carrões e comitivas, a grande entrada deste ano ficou com o candidato Guilherme Boulos que se apresentou no estúdio depois de ter caminhado à pé em ato político, sob palavras de ordem, junto com a expressiva militância do MTST.
Lula – Haddad – Manuela (PT)
Enquanto isso, em outro estúdio, montado pelo PT e transmitido ao vivo, apenas para internautas, Fernando Haddad (PT) e Manuela D’ávila (PCdoB) apresentavam as propostas do governo petista em nome de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A transmissão foi divulgada nas redes do partido, sem grande repercussão nem abrangência midiática, mantendo uma média rotativa de 5 mil espectadores durante toda transmissão. O ex-presidente foi impedido de participar do programa da Rede Bandeirantes em razão de determinação judicial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e a emissora anfitriã do debate não autorizou a participação de Fernando Haddad nem em caráter excepcionalíssimo.
Guilherme Boulos (Psol)
Voltando aos estúdios da Bandeirantes, dada a palavra ao candidato Guilherme Boulos (PSOL) este se apresentou com um “boa noite” à população brasileira e, em especial, um “boa noite” cumprimentando o ex-presidente Lula, em gesto de repúdio à decisão do TRF-4 de cercear a possibilidade do candidato petista apresentar na televisão suas propostas políticas. Pouco conhecido pelo público em geral, Boulos foi destaque até mesmo nas pesquisas do mercado financeiro, que foi apontado como surpreendente, na análise da Idea Big Data.
O candidato estava preparado e afiado nas respostas, com discurso alinhado para responder às questões levantadas pelos concorrentes e jornalistas. Ainda, como estratégia de campanha, percebia-se que seu discurso estava recheado de frases de efeito, possíveis de serem extraídas para a profícua produção brasileira de memes e pequenos vídeos para internet. O ápice da noite foi sua fala ao apontar a mesmice dos outros candidatos como se fossem “50 tons de Temer”, fazendo crítica aos apoiadores do golpe e da semelhança dos seus discursos. Único candidato homem sem terno, mesmo tendo andado alguns quilômetros com a militância, combateu com elegância e objetividade as questões apresentadas, destacando a taxação de grandes fortunas, e a diminuição das benesses dos bancos concedidas em detrimento à população de baixa renda.
Ciro Gomes (PDT)
Assim como o candidato psolista, Ciro Gomes (PDT) foi o presidenciável tido como o mais simpático em pesquisa direcionada ao mercado financeiro. Neste momento, após troca de farpas com o PT por disputas de coligações, o candidato seguiu com discurso mais ameno e tentando disputar votos de Marina Silva, e Geraldo Alckmin. O distanciamento de Ciro com a esquerda foi sinalizada com a escolha de uma chapa pura pedetista ao nomear como sua vice a criticada Kátia Abreu (amiga pessoal e ministra mão de ferro da ex-presidenta Dilma), conhecida como Rainha da Motosserra por sua aproximação com a bancada ruralista. Neste momento, o candidato tenta fortalecer sua base convencendo eleitores indecisos com pretensão ao voto de centro e centro-direita para quem sabe alcançar a faixa presidencial, ou ao menos ter moeda de troca com o PT no caso de negociação no segundo turno.
O seu ponto alto foi conseguir superar o estigma de destemperado e cativar sorrisos dos espectadores ao responder às alucinações de Cabo Daciolo quando o acusou de ser fundador do Foro de São Paulo e do Ursal (o qual não vale nem o espaço para discorrer a respeito, visto o tamanho da aberração argumentativa). De outra sorte, o candidato, de forma oportunista, para se aproximar da direita, saudou o juiz Sérgio Moro, dizendo que ele trouxe inúmeras contribuições ao País. Esta fala soou de forma negativa dentro do público progressista, pois o candidato pedetista ficou reconhecido por ser um dos grandes críticos ao juiz paranaense. Em postagens nas redes sociais, internautas pediram para Ciro se revelar e sair do armário, depois das suas últimas falas e decisões políticas.
Marina Silva (Rede)
Marina Silva, teve mais uma noite de pouco destaque, pois assim como nos outros anos tem tentado se apresentar como uma candidata com posições neutras. Já conhecida pelo público em geral, não gera expectativas sobre a sua atuação política, tendendo a disputar eleitores com uma posição ao centro ou críticos dos extremos. Sua imagem contida, de fala mansa e postura gandhiana busca a todo momento colocá-la em situação de centralidade. Como se fosse uma mediadora de conflitos, mostra-se pronta a solucionar de forma pacificadora qualquer guerra política que venha se envolver. O resultado disso é a manutenção da sua imagem de pessoa que não se posiciona e fica em cima do muro, gerando desconfiança tanto da direita quanto da esquerda. Durante o debate, ao ser perguntada se era a favor do aborto disse que levaria essa discussão para a população brasileira através de plebiscito, mas afirmou pessoalmente de forma tímida e medindo palavras que era preferível manter do jeito que está, ou seja, levando para cadeia qualquer mulher que venha resolver interromper uma gravidez. Estrategicamente, durante os debates, Marina buscou posicionar suas perguntas entre Ciro Gomes e Geraldo Alckimin.
Apesar da Rede ter se constituído objetivando ser uma plataforma da esquerda, Marina Silva, enquanto figura máxima distanciou o seu discurso ao apoiar o populismo da Lava-Jato, o impeachment de Dilma Rousseff em 2016 e Aécio Neves no segundo turno das últimas eleições presidenciais. Marina foi militante do PT por três décadas, hoje recebe apoio de empreendedores sociais a banqueiros, citando a nova economia como plataforma política de convencimento aos eleitores de classe média. Seu discurso varia do liberalismo econômico às defesas e garantias de uma social democracia.
Geraldo Alckmin (PSDB)
Querido naturalmente pelo mercado financeiro, o candidato tucano já não tem sua imagem intocável como nas últimas eleições. Seu público é massivamente concentrado na região sudeste, em especial no Estado de São Paulo, o qual comanda, mantém controles e aparelhamentos institucionais há décadas. Nos últimos dias, com rumores de que haveria uma investigação do Ministério Público contra o presidenciável em operação que investiga o caminho do dinheiro da concessionária de rodovias CCR (Companhia de Concessões Rodoviárias), a bolsa caiu e a tensão sob a sua imagem aumentou para este debate. O tema não veio à tona e Geraldo Alckmin fez aquilo que mais sabe fazer: manter a postura ereta e a fala calma, comedida, de forma a agradar a classe média paulistana com sua áurea de moço honesto e que sabe governar. Nestas eleições, o cenário para o tucano já não é tão confortável, visto a disputa de público direta com Jair Bolsonaro, Henrique Meirelles e Marina Silva, criando um espectro confuso para se posicionar – da extrema-direita à centro-direita. Durante o debate foi criticado pelo candidato Cabo Daciolo ao ser questionada a sua independência, visto o tamanho da sua coligação, com 9 partidos. O militar sugeriu que, caso Geraldo Alckmin ganhasse as eleições, teria que fazer do seu governo um balcão de negócios para agradar todos os seus aliados.
Jair Bolsonaro (PSL) e Cabo Daciolo (Patriotas)
Apesar de estarmos falando de figuras distintas, eles disputam o mesmo tipo de eleitores e com técnicas similares de atuação. Enquanto Jair Bolsonaro está há décadas na política, Cabo Daciolo se fez conhecido em 2012, quando atuava como bombeiro e foi expulso da corporação por comandar uma invasão ao Quartel-General. Em 2014, se filiou ao Psol e foi candidato a deputado dederal por influência da deputada Djanira Rocha, em um momento em que era importante aumentar os votos de legenda do partido. Com passagem perturbada pelo partido, por apresentar propostas completamente divergentes às ideias do Psol, o deputado foi expulso e encontrou guarida no Patriotas.
Na noite de ontem, roubou a cena de Bolsonaro e se apresentou ao público cristão e de extrema-direita como alternativa ao já não tão novidade Jair Bolsonaro. Por meio de ideias conspiratórias, ataques e acusações absurdas e sem fundamentações, Cabo Daciolo virou meme, se tornou o assunto principal nas redes sociais nesta sexta-feira. Coadjuvante, Jair Bolsonaro se colocou de forma tímida, deixando por uma noite a sua coroa de “mito”, mas fazendo um bom trabalho diante de uma expectativa dos seus próprios assessores no ano anterior de que se apresentar em um debate presidencial poderia ser negativo à sua campanha. Não foi, foi medíocre, mas certamente agradou o seu público (Vide comentários abaixo).
Alvaro Dias (Podemos)
O senador paranaense iniciou a sua noite estourando o tempo dos cronômetros, com frases lentas e aparentemente desnorteado no debate. Apesar de mais devagar que o normal, sua estratégia ainda se traduz na mesma linha que levou o PT ao impeachment e ao sucesso da Lava-Jato. Ancorado na proposta de trazer o juiz Sérgio Moro como Ministro da Justiça, Alvaro Dias quer se colocar como o paladino da Justiça e visa criar uma Lava-Jato nacional. O candidato não explicou como isso poderia ser feito e se seria possível, visto que a atuação enquanto presidente é limitada ao Poder Executivo e não se mistura com as atribuições de diversas outras instituições e poderes. Oportunista de plantão, Dias não mexe em time que está ganhando e mantém o mesmo discurso desde 2016, de maneira que o discurso se torna absolutamente frágil. Apesar de Lula não poder participar dos debates, o paranaense se projeta como inimigo do PT, representante da “República de Curitiba” e sonha em se digladiar neste discurso já ultrapassado com o ex-presidente.
Henrique Meirelles (MDB)
Henrique Meirelles, representante do governo ilegítimo de Michel Temer ganhou espaço político em razão da grande rejeição política do golpista e atuação próxima com o mercado financeiro. Insignificante nas pesquisas, sem carisma, Meirelles levou ao sono os espectadores que esperavam qualquer outro candidato falar que não ele. Enquanto alguns se utilizavam da exposição caricatural como Cabo Daciolo, outros fizeram o que sempre souberam fazer, como Marina Silva e Geraldo Alckmin. O ex-ministro de Temer e de Lula não se apresentou altivamente no debate e, ao que tudo indica, não oferece risco nenhum de concorrer em um segundo turno. A sua presença só é benéfica para a esquerda, afinal enquanto a direita mostra seus cinquenta tons de cinza, a tática do dividir para conquistar é a arma política mais importante para superar um golpe que insiste em continuar.
Para fechar a noite, a frase que ecoou os ouvidos dos espectadores neste teatro democrático foi a de Ciro Gomes, que, ao criticar elegantemente as bizarras atuações políticas de alguns candidatos, disse: “A democracia é uma delícia, mas tem um custo”.
Enquanto a democracia não chega, pelo menos os custos a gente já tá conhecendo.