Daniel Zen: O Salvador da Pátria… só que não
De tempos em tempos, ‘salvadores da pátria aparecem, mas estão longe de serem a imagem que é vendida para a população. De caso comum, são o oposto.
O eleitor de Jair Bolsonaro é como se fosse filho do eleitor de Fernando Collor, de 1989; e neto do eleitor de Jânio Quadros, de 1960. Como seus pais e avós, estão sempre ávidos por um Salvador da Pátria, alguém que prometa que vá “varrer com a vassourinha”, “caçar os marajás”, ou “mudar tudo que esta aí.”
Essas figuras, os Salvadores da Pátria, aparecem de tempos em tempos e são efeitos colaterais da decepção e da desesperança das pessoas com a política e com os políticos. Alegam sempre honestidade, patriotismo e respeito a Deus e a família, quando, na realidade, são falsos moralistas: vendem uma imagem de arautos da moralidade, vestais da honestidade, chicotes do povo e palmatória do mundo, mas, não resistem a 5 minutos de investigação.
Vejamos o caso do próprio Bolsonaro: foi filiado ao Progressistas (antigo PP) por 11 anos, o partido que mais tem políticos envolvidos e indiciados na Operação Lava-Jato (31 contra 6 do PT) e nunca se insurgiu contra isso ou contra os casos de corrupção de Paulo Maluf, maior liderança do seu antigo partido, por exemplo.
Foi citado na lista de corrupção de Furnas, como um dos recebedores de propina do famoso Mensalão Tucano, de Minas Gerais; recebeu, por décadas, auxílio-moradia, mesmo tendo casa própria (e disse que usava esse dinheiro pra “comer gente.” Isso mesmo: usava o dinheiro do auxílio-moradia para alugar imóvel que ele utilizava pra transar com mulheres); ocultou bens em sua declaração de patrimônio à Receita Federal; pagava funcionária fantasma com sua verba de gabinete da Câmara Federal; recebeu doação ilícita em sua última campanha para deputado federal (R$ 200 mil da JBS); e, por fim, foi pego com a boca na botija em um grande e pernicioso esquema de caixa 2 eleitoral, fazendo manipulação da opinião pública por intermédio da distribuição, robotizada e em massa, de fake news (notícias falsas) a grupos de WhatsApp, operação paga, a peso de ouro, com dinheiro de doações ilegais de campanha.
A solução “Salvador da Pátria” (ou Sassá Mutema, pra lembrar da novela homônima, que o jovem eleitor não assistiu) nunca deu certo. Mas, é como se, a cada quase exatos 30 anos, as pessoas esquecessem o que já aconteceu. Lembremos: quando Fernando Collor foi eleito, em 1989, pela maioria esmagadora dos votos e depois começou a fazer suas trapalhadas, tais como o confisco da poupança, não se achava um eleitor que admitisse ter votado nele. Com Jânio Quadros foi parecido.
Alguém tem dúvida que também será parecido com Bolsonaro, caso ele ganhe as eleições?
No caso de Bolsonaro, ainda há uma agravante em face de seus predecessores: nem Jânio e nem Collor tinham tantos arroubos de autoritarismo, não flertavam tanto com o totalitarismo e nem vomitavam tantas barbaridades preconceituosas. Bolsonaro é muito, mas muito mais venal, perigoso e pior do que eles.
Ademais, não podemos atribuir a responsabilidade de uma eventual vitória de Bolsonaro na conta de Lula ou do PT, por não ter cedido a formar uma aliança/chapa com Ciro Gomes (PDT). Essa responsabilidade recai muito mais sobre os ombros dos integrantes do “Condomínio do Golpe” – dos quais fazem parte Michel Temer, sua curriola e sua trairagem; Eduardo Cunha, seus 300 ladrões e sua sabotagem; o procurador da República, Deltan Dellagnol; o delegado da Polícia Federal, Maurício Moscardi; o juiz federal, Sérgio Moro; os desembargadores federais Gebran Neto, Paulsen, Laus, e Thompson Flores; a Ministra do STJ, Laurita Vaz; além de setores do grande empresariado, representados pela FIESP; e da grande mídia familiar, tradicional, conservadora e sonegadora de impostos do país – do que nas costas do PT.
Isso porque Bolsonaro é um efeito colateral do processo de defenestração da política e dos políticos, que fez derreter até o mais “imaculado”, “impoluto”, preferido e poupado pelos condôminos do golpe, o candidato Geraldo Alckmin (PSDB). Da mesma forma em que o ódio ao PT é um efeito da judicialização da política e da politização da justiça, com endereço certo (contra o PT). Decorre muito mais disso do que da questionável “roubalheira” em si (porque roubalheira sempre teve, e muito maior em partidos como o PP, por exemplo, e nem por isso o PP é odiado).
A essas alturas do campeonato, não escrevo essas mal traçadas linhas para tentar convencer ou virar o voto de ninguém.
Como na passagem da história, “alea jacta est” (a sorte está lançada). Escrevo apenas para demarcar minha posição em mais essa travessia do Rubicon. Para poder ter orgulho de, no futuro, contar para os meus filhos de que lado da história eu estive.