Daniel Zen: É necessário unidade na luta
A satanização ou demonização da política tem consequências bem mais perversas do que as divergências históricas entre políticos, seus partidos, suas respectivas ideologias e o movimento social.
O mês de maio de 2019 tem sido marcado, de um lado, pelo recrudescimento das posturas do governo Bolsonaro para com as políticas públicas em Educação, evidenciado pelo anúncio de cortes e contingenciamentos nos orçamentos das instituições federais de ensino superior (IFES) e da educação básica; e, de outro, pela reação enérgica de alunos, professores e trabalhadores em educação de um modo geral.
Discentes, docentes e trabalhadores não-docentes, tanto das IFES (universidades e institutos) como das redes públicas estaduais e municipais de educação básica aderiram, em todo o Brasil, aos atos do dia 15 de maio, agendados pelas centrais sindicais e respectivos sindicatos como parte integrante do “Calendário Unificado de Lutas do Mês de Maio do Trabalhador”.
A adesão do público universitário e dos trabalhadores em educação básica engrossou um caldo que, até então, estava ralo. Aqui no Acre, na condição de deputado estadual, participei da organização e mobilização para todos os atos do Calendário Unificado de Lutas, que iniciou no dia 1° de maio – com uma coletiva de imprensa de anúncio da programação – e encerra no dia 31/05, com um seminário sobre a reforma da Previdência. O calendário contou ainda com uma audiência pública, realizada na ALEAC, no dia 09/05; e com uma intervenção cultural e panfletagem, no terminal central de transportes coletivos de Rio Branco, a se realizar no dia 24/05.
O dia 15/05, contudo, ficará marcado como o ápice da programação. Um dia de paralisação nacional que serviu de termômetro para medir uma alta temperatura que pode culminar em uma adesão em massa para o indicativo de greve geral no dia 14/06.
Entretanto, algo me chamou a atenção e me leva a compartilhar um alerta. A hostilidade para com a política partidária, mesmo para com políticos favoráveis ao movimento e contrários às pautas hoje defendidas pelo Governo Federal, rechaçadas pelos trabalhadores, ainda se encontra em um grau elevado.
Como bem caracterizou o professor do Centro de Filosofia e Ciências Humanas – CFCH, da Universidade Federal do Acre – UFAC, Francisco Afonso Nepomuceno, o “Carioca”, as denominadas “jornadas de junho de 2013” foram capturadas pela extrema direita a partir da demonização da política, dos políticos e dos partidos. A crítica que virá, agora, de muitos manifestantes, nessa mesma linha, é fruto do ocorrido no passado. Não sabem, muitos deles, que foi nesse ambiente de satanização da política que o neo-fascismo foi parido no Brasil, sendo Bolsonaro seu filho mais dileto.
Em resumo: quem se dizia – e ainda se diz – apartidário ou afirma odiar a política e seus políticos acabou e acaba contribuindo para o estado de coisas da forma como ele se encontra.
Nós políticos temos que ter a consciência de que, quando não fazemos a nossa parte, a população dá o troco e nos prega peças. Mas, a população também tem que ter consciência de que o tal “voto de protesto” gera consequências muito danosas. Bolsonaro é uma delas. O voto de protesto dos insatisfeitos tanto com a esquerda quanto com a direita resultou em um governo que não tem plano, não tem propostas de programas sociais, não tem projetos de retomada do crescimento econômico, com geração de emprego, distribuição de renda, inclusão social e redução das desigualdades.
Não há, no Governo Federal, nenhuma linha mestra, direção, horizonte ou metas que possam apontar para um caminho de esperança. Ao contrário, só há disposição para travar guerras ideológicas e um forte flerte com o autoritarismo e a intolerância. E uma ilusão, um engodo de que, aprovando-se a cruel reforma da Previdência que, da forma como está, não acaba com nenhum privilégio e sacrifica o trabalhador comum, as coisas vão se resolver como que em um passe de mágica. Não vão.
O que temos é um governo que se elegeu na base de fake news distribuídas em massa para grupos de WhatsApp, cujo candidato eleito não compareceu aos debates – ou seja, não deixou claro quais eram suas propostas e suas verdadeiras intenções – e que gasta toda a sua energia se concentrando em um festival de firulas, de frivolidades e de coisas supérfluas, que em nada ou pouco contribuem para a melhoria da qualidade de vida das pessoas, além de estar atolado até o pescoço em casos de corrupção que envolvem laranjas e milícias.
Nesse sentido, a presença de políticos com mandato, perfilando-se com os representantes de centrais sindicais, respectivos sindicatos e demais entidades do movimento social nos diversos atos Brasil afora é importante, mesmo que diante de eventuais hostilidades. Isso também faz parte da resistência. A satanização ou demonização da política tem consequências bem mais perversas do que as divergências históricas entre políticos, seus partidos, suas respectivas ideologias e o movimento social. É necessário unidade na luta.