Cortinas de fumaça ou técnicas de mobilização social? A saga das declarações bolsonaristas
Muitos defendem que declarações de Bolsonaro seriam usadas como técnica diversionista, numa alusão a militares que fazem uso disso para tentar esconder suas forças por trás de uma nuvem de fumaça. Passados quase 1,5 ano de governo, fica evidente que essas declarações servem como técnicas de mobilização social e disputa cultural.
Quando ainda em janeiro de 2019, a ministra Damares atreveu-se a dizer que meninas usam rosa e meninos azul, uma onda de reação tomou conta das redes, levantando ali também um amplo debate sobre se sua declaração seria ou não cortina de fumaça para desfocar a atenção pública sobre o plano ultraliberal do governo, ávido pela aprovação de propostas relacionadas à redução do Estado e de direitos.
Muitos defenderam, com argumentos lúcidos e bem embasados, que declarações como essa seriam usadas como técnica diversionista, numa alusão a estrategistas militares que fazem uso disso para tentar esconder suas forças por trás de uma nuvem de fumaça.
Fato é que desde então, declarações racistas, machistas, homofóbicas, grosserias gratuitas e outras com conotações fascistas têm ocupado o noticiário e as discussões públicas nacionais, absolutamente livres de pudor. Sem contar as mentiras. Em 492 dias de governo, Jair Bolsonaro ultrapassou a marca de mil declarações falsas ou distorcidas, segundo o contador do Aos Fatos que checa sistematicamente as falas do presidente passíveis de verificação desde a posse.
Passado quase 1,5 ano de governo, fica evidente que esse conjunto de declarações serve como técnica de mobilização social e disputa cultural que, paulatinamente, vai fortalecendo uma base radicalizada e que servem como gatilhos que despertam e empoderam todo tipo de arbítrios e preconceito em franco diálogo com o racismo estrutural de que a sociedade brasileira ainda padece.
Um dos efeitos mais graves desta disputa é um acampamento mobilizado por um grupo bolsonarista, em frente ao Congresso Nacional, em Brasília, que reúne pessoas em grupo de Telegram a partir do chamado “Lembre-se, você não é mais um militante, você é um militar, um militar com uma farda verde e amarela, pronto para dar a vida pela sua nação”.
Matéria publicada pelo Congresso em Foco revela que entre as bandeiras promovidas pelo movimento estão o ¨extermínio da esquerda”, fim da corrupção, o respeito à soberania nacional e a insurreição contra medidas de distanciamento social adotadas por governadores como forma de impedir o avanço da pandemia de Covid-19.
Sabemos que este governo vem adotando como estratégia de combate à pandemia a política de imunização de rebanho, nome horroroso, mas que traduz bem sua intenção de contágio em massa pela doença e a partir daí,´salve quem puder´. Suas declarações públicas, desde que chamou a COVID-19 de gripezinha, vêm demonstrando isso.
Os efeitos dessa política, sabemos, é a higienização social. Pobres, populações em situação de vulnerabilidade crítica e, sobretudo, negros são as vítimas mais atingidas. Estima-se que no Brasil, pretos e pardos representam quase 1 em cada 4 dos brasileiros hospitalizados com Síndrome Respiratória Aguda Grave (23,1%), mas chegam a 1 em cada 3 entre os mortos por Covid-19 (32,8%).
A subnotificação é outra estratégia de Governo. Sabe-se que no mundo a subnotificação é uma realidade. No entanto, o Brasil é o país que menos testa entre os mais afetados. Ranking incompatível a um país que ocupa espaço no ranking das 10 economias mais importantes do mundo.
Não é segredo para ninguém o desprezo que o presidente ostenta para com pandemia, assim como pelos indígenas, quilombolas e outras minorias. Quando ousa um ´E daí´, diante da pergunta sobre os índices de mortes, e ainda diz que não é coveiro para tratar do tema, há de se constatar que, como na ditadura, a subnotificação pode ser tática para esconder o custo de vidas humanas que pagaremos pela opção política que estão fazendo.
Nesse sentido, tudo leva a crer que esse governo aposta no caos como tentativa maquiavélica dos fins justificam os meios. E para isso, segue mobilizando sua base social, levando a crise política a outro patamar.
Há quem considere essa estratégia mais instintiva do que racionalmente inteligente. Só sei que subestimar a besta fascista nunca foi a melhor opção. A história brasileira recente é que o diga.