Correio deselegante de um flerte golpista
A carta arreglo de Jair Bolsonaro ao país, redigida pelo advogado Michel Temer, nos parece mais adequada a um abraço de afogados golpistas do que propriamente a um pedido de desculpas à nação.
A carta arreglo de Jair Bolsonaro ao país, redigida pelo advogado Michel Temer, nos parece mais adequada a um abraço de afogados golpistas do que propriamente a um pedido de desculpas à nação, que assistiu escandalizada às agressões ao STF e aos ministros da Corte, orquestradas pelo mandatário e seus seguidores arruaceiros.
A ordem dirigida à horda era clara: invadir o prédio do Supremo, prender os ministros e decretar poderes “fora das quatro linhas” ao chefe do Executivo. Para este ato espúrio, foram convocadas as forças armadas, especialmente as polícias militares, os caminhoneiros, com vistas a um lockout que subjugasse o país aos interesses do golpe, e os empresários de vários campos, especialmente os do agronegócio, que atuaram como financiadores da nefasta empreitada.
A tal carta, que entrará para a história dos horrores do Brasil e seus anedotários grotescos, é risível até, mas não antes de ser trágica. Se houver nela alguma serventia será desejável que figure como objeto de análise nas provas do ENEM, tanto para o ensino acertado da língua portuguesa quanto para as noções de cidadania e respeito aos símbolos nacionais e à democracia, ultrajada no 7 de setembro, cuja carta tenta desesperadamente corrigir com mea culpa.
Do ponto de vista político e seus efeitos imediatos reserva-se a observação apenas dos três primeiros pontos do arrazoado de mentiras em formato de desculpas:
1) No momento em que o país se encontra dividido entre Instituições é meu dever como presidente da República, vir a público dizer: nunca tive nenhuma intenção de agredir nenhum dos Poderes. A harmonia entre eles não é vontade minha, mas determinação constitucional que todos, sem exceção, devem respeitar.
Ora, se neste momento o País está dividido, quem será o responsável pela fratura senhor presidente? Seguindo o seu raciocínio associado aos esforços de escriba e os conselhos do ex-vice-presidente golpista, explique-nos o quê de fato quiseram dizer com a frase: “a harmonia entre eles (os Poderes), não é vontade minha, mas determinação constitucional”.
Não estaria aí manifestada sim, a sua “vontade” de destituir Ministros, fechar o Supremo e riscar a Constituição soberana de 88, trazendo de volta o entulho autoritário da ditadura de 64, diga-se AI 5, do qual o senhor é egresso?
Está claro presidente, a razão da desarmonia entre os Poderes neste momento trágico da Democracia, é por falta de vontade sua, exclusivamente, basta lembrar que o STF e o Ministro Alexandre de Morais autorizaram o seu governo, em 2020, a descumprir as Leis de Responsabilidade Fiscal e de Diretrizes Orçamentárias, concedendo-lhe recursos especiais de 50 bilhões para mitigar os impactos do Covid-19 na economia, e o financiamento de ações de interesse social.
2) Sei que boa parte dessas divergências decorrem de conflitos de entendimento acerca das decisões adotadas pelo Ministro Alexandre de Morais no âmbito do inquérito das fake news.
Senhor presidente, se há conflito de entendimento é vosso, mas não será por isso que o senhor usará o palanque de onde nunca saiu, desde que assumiu o governo, para chamar o Ministro de “canalha” e afirmar que descumprirá qualquer ordem ou determinação vinda da parte dele.
Acontece presidente, que o Ministro Alexandre de Moraes é o relator do inquérito que investiga ataques e ameaças ao STF e seus Ministros, em vias de processo no qual o senhor e os seus filhos serão indiciados. Os conflitos aludidos na sua carta foram causados pelo senhor e os seus filhos, um deles inclusive ameaçou o fechamento do STF apenas com o uso de patente de um cabo, um soldado, montados em um jeep, esqueceu? Significa então que são agravantes os ataques e ofensas dirigidas pelo senhor presidente contra o mesmo STF e o Ministro relator do tal processo, neste 7 de setembro, na Esplanada em Brasília e na Avenida Paulista em São Paulo.
3) Mas na vida pública as pessoas que exercem o poder não têm o direito de “esticar a corda” a ponto de prejudicar a vida dos brasileiros e a sua economia.
A carta tenta justificar o destempero das agressões públicas do presidente aos poderes constituídos e ao país – que se viu ameaçado de golpe e estado de sítio -, como palavras ditas no calor da situação que, convenhamos, foi desenhada como palco – com plateia incentivada -, para estes mesmos fins agora negados. Como resultado, estes fatos insultuosos configuram crime de responsabilidade, que inevitavelmente incorrerá no pedido Impeachement do mandato do ex-capitão Jair Bolsonaro. Que fique a lição da tensão da “corda esticada”, senhor presidente, a ideia e a certeza de que o laço foi puxado para o seu próprio pescoço e que o seu governo terminará, quem diria, em Temer.