Convergência climática
Joe Biden tomou posse como presidente dos Estados Unidos pondo o enfrentamento às mudanças climáticas como centro do seu programa de governo. “O mundo em primeiro lugar!” Com esse mote, ele pretende deixar na poeira da história o pseudonacionalismo do seu antecessor, que dizia “a América em primeiro lugar!”.
Joe Biden tomou posse como presidente dos Estados Unidos pondo o enfrentamento às mudanças climáticas como centro do seu programa de governo. “O mundo em primeiro lugar!” Com esse mote, ele pretende deixar na poeira da história o pseudonacionalismo do seu antecessor, que dizia “a América em primeiro lugar!” A prioridade à vida deve definir a estratégia para o desenvolvimento econômico, a segurança nacional e as relações internacionais. Entre seus primeiros atos, Biden recolocou os EUA no Acordo de Paris e criou o Gabinete de Política Climática Doméstica, para zelar por essa prioridade no dia a dia da administração. O Acordo de Paris é o tratado internacional sobre as mudanças climáticas atualmente vigente.
“O unilateralismo não vai nos levar a nenhum lugar, pois a questão climática exige a participação de todos”. Essa frase do presidente da China, Xi Jinping, na Cúpula da Ambição Climática, encontro preparatório para a Conferência sobre Mudanças Climáticas de 2021 da ONU, expressa bem a circunstância de a humanidade toda estar num mesmo barco e precisar tomar medidas fortes e urgentes para que possa seguir num rumo mais promissor para as futuras gerações e a própria vida na Terra.
A posição dos presidentes das nações que são os dois maiores emissores de gases do efeito estufa converge para a da maioria dos países europeus, que lideram há mais tempo as negociações relativas à convenção da ONU de mudanças climáticas. Essa convergência nos trás a esperança de que as principais economias assumam metas mais ousadas do que as do Acordo de Paris, destinadas a neutralizar as emissões globais até 2050.
As mudanças climáticas já estão provocando o aumento da frequência e da intensidade das catástrofes climáticas, do degelo das calotas polares e nas regiões mais altas, do nível dos oceanos, dos deslocamentos forçados de populações mais vulneráveis. Os cientistas afirmam que essa pode ser a nossa última chance de reverter o aquecimento global, antes que ele atinja um ponto de não retorno e de retroalimentação que imporá danos gigantescos e horríveis sofrimentos.
A próxima reunião da ONU (COP-26) sobre o tema será em Glasgow, Escócia, em novembro. Porém Joe Biden está convocando uma reunião de cúpula para abril, para discutir novas metas entre os principais protagonistas do tema e promover, desde já, uma expectativa animadora de mobilização entre governos, cientistas, empresas e organizações sociais, rumo à reunião oficial do final do ano.
Esperança e obstáculos
Esse sentimento de esperança terá que confrontar, no entanto, grandes obstáculos. A persistência da pandemia concorre em urgência com as mudanças climáticas e limita a capacidade de mobilização da sociedade civil e seu poder de pressão sobre governos e mercados. Interesses contrariados, colonos da indústria do petróleo e do carvão, mobilizam-se para protelar providências e estender a produção de combustíveis fósseis. Há uma disputa em curso sobre os melhores caminhos para superar a crise econômica. Assim como há interesses reais em promover a desinformação e o negacionismo frente à ciência.
Além disso, o avanço nas negociações internacionais terá de superar, ou isolar, a postura oportunista e retrógrada de alguns dos grandes emissores globais, como a Rússia e o Brasil. O presidente russo, Vladimir Putin, não nega as evidências científicas das mudanças no clima, mas minimiza seus efeitos com a retórica irresponsável de que alguns graus a mais na temperatura média não fariam tão mal a um país frio, como a Rússia.
Putin subestimou os efeitos do derretimento do “permafrost”, uma camada de terra gelada que se estende pela Sibéria, como se não fosse um problema dele a liberação na atmosfera de grandes quantidades de metano, um gás de forte impacto climático. Chegou a insinuar que a Rússia deveria ser compensada pelos demais países por eventuais medidas para evitar as emissões de metano. Mas o “permafrost” está virando um mar de lama, desestabilizando toda a infraestrutura existente na região, inclusive para a exploração de petróleo.
Bolsonaro, negacionismo e ignorância
O caso do Brasil é mais lamentável. O presidente Jair Bolsonaro é negacionista e prega a ignorância frente a vários desafios vitais, como a pandemia e as mudanças climáticas. Desqualifica e subordina a uma visão conspiratória toda a agenda socioambiental. É um pária assumido, denunciado por ecocídio perante o Tribunal de Haia, que levou o país a um nível inédito de isolamento internacional. Pior: promove a grilagem de florestas públicas, o garimpo predatório e a invasão de Terras Indígenas e de parques nacionais. Bolsonaro não tem credibilidade para participar das grandes articulações em curso.
A desgovernança ambiental no Brasil é de tal ordem que, mesmo num contexto de pandemia e de depressão econômica, o país vem aumentando suas emissões de gases estufa por meio de um novo surto de desmatamento e de queimadas na Amazônia e no Pantanal. O país tomou o rumo oposto ao das expectativas e tendências mundiais e às suas próprias conquistas, por exemplo, quando promoveu a maior redução de emissões da história recente, entre 2004 e 2012, diminuindo o ritmo de destruição da floresta.
O retrocesso recente cria um obstáculo adicional para o Brasil sair da atual estagnação econômica. Além das dificuldades estruturais e das desigualdades sociais, os investimentos externos estão cada vez mais subordinados a condicionantes socioambientais e climáticas para a aferição de riscos. É crescente a rejeição pelos consumidores dos países mais desenvolvidos aos produtos insustentáveis. Muitos empresários brasileiros já se mobilizam frente à crise climática e de credibilidade nacional, mas os impactos dessa situação afetam de forma diferente cada setor ou cadeia produtiva e segmentos da economia predatória ainda sustentam as políticas atuais de leniência e de desregulação.
Mas a sociedade brasileira – cientistas, jornalistas, empresários, ambientalistas e representantes de movimentos sociais, assim como dos estados, municípios e demais poderes federais – pode compensar o isolamento e a irrelevância do governo nessa agenda internacional. Ela deve se apresentar e se manifestar nesses eventos oficiais e em reuniões paralelas, assim como pelos meios de comunicação e das redes sociais. Os brasileiros podem ajudar a fazer a esperança prevalecer, mesmo diante da desgovernança.