Conservador e fragmentado
É a extrema direita que tem os olhos fixos no seu retorno à Presidência.
Com o resultado do segundo turno das eleições, pode-se constatar que não houve grandes diferenças no perfil político-ideológico dos prefeitos eleitos das capitais. Em 11 delas, os prefeitos haviam vencido já no primeiro turno, 10 deles reeleitos; só em Teresina não houve reeleição, mas é um ex-prefeito que assumirá a administração. Houve segundo turno em outras quinze capitais, em que outros seis prefeitos se reelegeram.
No conjunto dos municípios, a taxa de reeleição foi de 80%, a maior da história. No Distrito Federal (DF), que ocupa o terceiro lugar em número de eleitores, não houve eleições e nem há municípios constituídos; os chamados administradores regionais são nomeados pelo governador.
Nove partidos estarão à frente das 26 capitais, mantendo o quadro de fragmentação política relativa de outras eleições municipais. Embora não haja partido hegemônico, há os que se deram melhor. No segundo turno, o MDB reelegeu o prefeito Ricardo Nunes, em São Paulo (12,4 milhões de eleitores), assim como Sebastião Melo, em Porto Alegre (1 milhão), e venceu em Belém (1 milhão), com Igor Normando. O MDB vai governar cinco capitais, pois já havia vencido, no primeiro turno, em Macapá, com Dr. Furlan, e Boa Vista, com Arthur Henrique.
O PSD, no primeiro turno, já havia reeleito Eduardo Paes, no Rio de Janeiro (5 milhões de eleitores), Eduardo Braide, em São Luís (750 mil) e Topázio Neto, em Florianópolis (410 mil). No segundo turno, reelegeu Fuad Noman, em Belo Horizonte (2 milhões), e Eduardo Pimentel, em Curitiba (1,4 milhão). Além de também governar cinco capitais, o PSD suplantou o MDB no total de prefeituras no país: 887 prefeituras, contra 856. O PP é o terceiro partido com mais prefeitos eleitos: 747.
2026
O União Brasil é o partido que governará mais capitais (6). No primeiro turno, reelegeu Bruno Reis, em Salvador (2 milhões de eleitores), e conquistou Teresina (600 mil), com Silvio Mendes. No segundo, reelegeu David de Almeida, em Manaus (1,4 milhão), e venceu em Goiânia (1 milhão), com Sandro Mabel, em Natal (570 mil), com Paulinho Freire, e em Porto Velho (360 mil), com Mariana Carvalho. O PP venceu em Campo Grande (640 mil), com Adriane Lopes, e em João Pessoa (560 mil), com Cícero Lucena. Esses quatro partidos do Centrão ‒ PSD, MDB, União Brasil e PP ‒ governarão 18 das 26 capitais (além de Brasília).
Como se vê, não faltam bases políticas locais para sustentar uma eventual candidatura presidencial do Centrão. Mas ele é plural, pegajoso e fisiológico, tem oscilado entre os polos políticos e aderido a qualquer governo que lhe dê espaço. Integra a base do governo Lula (PT), assim como fez parte do governo Bolsonaro, a nível federal, e também participa do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), em São Paulo.
O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), já anunciou que pretende disputar a Presidência em 2026. Sua gestão é bem avaliada, os seus candidatos venceram na maioria dos municípios do estado e, no segundo turno, venceu, com Sandro Mabel, também em Goiânia, derrotando o candidato apoiado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Caiado sempre foi de direita, desde que presidiu a União Democrática Ruralista (UDR), mas Bolsonaro não tolera dissidentes no seu campo político.
O governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), é uma liderança jovem e emergente, também obteve ampla vitória no seu estado e o seu governo é muito bem avaliado. É irmão do ministro das Cidades, Jader Barbalho Filho, e integra a base de Lula. Com a realização em Belém, em novembro de 2025, da 30ª conferência da ONU (COP-30) sobre mudanças climáticas, o seu governo tem atraído investimentos e visibilidade política. Helder incorpora a agenda climática ao seu perfil, que sinaliza em direção ao centro.
O presidente do PSD, Gilberto Kassab, sai fortalecido das eleições, paparicado por Lula e atacado por Bolsonaro. Como sempre, Kassab diz que o seu partido pretende lançar candidato próprio à Presidência em 2026, mas não se coloca como tal. Também lhe interessa uma eventual candidatura presidencial de Tarcísio, que, para isso, teria que renunciar ao governo paulista em meados do ano que vem, abrindo espaço para a assunção do seu vice, Felício Ramuth, do PSD. Uma hipótese derivada da inelegibilidade de Bolsonaro.
Nomes existem. Não há um líder de expressão nacional, mas há vários regional e setorialmente relevantes. Apesar do apego comum aos ativos típicos da fisiologia política (cargos, emendas orçamentárias, verbas de gabinete) e a posturas políticas predominantemente conservadoras, o Centrão reúne interesses muito variados, além de divergências nos estados. Falta-lhe unidade política e projeto nacional.
Outros partidos, que se definem como de centro, mas não como do Centrão ‒ PSDB, Cidadania, Solidariedade, Podemos e Novo ‒ se deram mal nas urnas e correm o risco de não superarem a cláusula de barreira em 2026, sendo prováveis a formação de federações partidárias mais amplas do que as já existentes, ou, até, de fusões, para garantir a eleição de bancadas, o que também poderá ocorrer entre partidos à esquerda e do Centrão.
Extrema direita
É a extrema direita que tem os olhos fixos no seu retorno à Presidência. Bolsonaro já foi condenado à inelegibilidade duas vezes e pode vir a ser novamente em processos em curso, mas só pensa em candidatura. Reage raivosamente a qualquer outro pretendente na direita. Nessas eleições, comprou briga com Pablo Marçal, Kassab, Caiado e outros governadores de direita, e enquadrou Tarcísio, que endossa a sua candidatura e a sua liderança.
Porém, Tarcísio se saiu melhor do que Bolsonaro nessas eleições. Foi ele, e não Bolsonaro, o principal responsável pela vitória de Nunes em São Paulo. Tarcísio não teve atritos com outros governadores e está em melhor posição para unir a direita e trazer o PSD e outros pedaços do Centrão. Mas depende do apoio do Bolsonaro, que não gostou do fortalecimento precoce do seu nome como “primeiro da fila”, nas palavras do presidente do PL, Valdemar da Costa Neto. Ele também teve que engoli-las.
Com Bolsonaro, o PL teve um crescimento significativo no número de votos e de eleitos, mas não conseguiu alcançar, como pretendia, o PSD e o MDB no total de prefeitos eleitos. O PL, que não tinha prefeitos em capitais, venceu, no primeiro turno, em Maceió (640 mil eleitores), com JHC, e em Rio Branco (270 mil), com Sebastião Bocalon. No segundo turno, ganhou em Cuiabá (440 mil), com Abílio Brunini, e Aracaju (400 mil), com Emília Correia. A direita também venceu em Vitória (160 mil), com a reeleição de Lorenzo Pazolini, do Republicanos.
O PL pretende pautar na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, ainda nesta semana, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para anistiar os golpistas do 8 de janeiro, que depredaram a Praça dos Três Poderes, e quer incluir Bolsonaro nela. No caso dele, a impunidade teria que ir além das condenações dadas, um verdadeiro estupro da Constituição. O PL condiciona à aprovação dessa PEC o seu apoio aos candidatos que disputarão as presidências da Câmara e do Senado, em fevereiro do ano que vem.
Não será fácil aprovar a PEC, que depende de 60% dos votos, em dois turnos, na Câmara e no Senado. Em aliança com o Centrão, a extrema direita já aprovou, e pode vir a aprovar, emendas à Constituição. Porém, essa anistia é em causa própria e há disputas e fissuras na direita que dificultam a sua aprovação. Bolsonaro vai esticar a corda, mesmo assim.
Da esquerda ao centro
Os partidos mais à esquerda tiveram um desempenho modesto nas eleições, para dizer o mínimo. O PT teve uma ligeira recuperação em relação ao mal resultado das eleições anteriores, com um pequeno aumento no número de prefeitos eleitos. Não elegeu prefeitos nas capitais no primeiro turno e, no segundo, disputou em quatro, mas venceu apenas em Fortaleza (1,3 milhão de eleitores), com Evandro Leitão, que derrotou o PL.
O PT deixou de apresentar candidatos próprios, em várias capitais, para apoiar aliados de outros partidos, como Guilherme Boulos (PSOL), em São Paulo, e Eduardo Paes (PSD), no Rio de Janeiro. E, também, filiou nomes de fora para representar o PT, como Marcelo Ramos, candidato a prefeito em Manaus, e Marta Suplicy, candidata a vice em São Paulo. Empenhado em manter a política de alianças que sustenta o governo Lula, o PT reduziu a sua presença nas urnas, mas poupou o presidente de desgastes, como os ocorridos com Bolsonaro.
O PSB, partido do vice-presidente, Geraldo Alckmin, reelegeu, no primeiro turno, o prefeito de Recife (1,2 milhão de eleitores), João Campos, e aumentou o número de eleitores e de eleitos em todo país. O PSOL perdeu a prefeitura de Belém, já no primeiro turno, e não conseguiu vencer em São Paulo, mesmo obtendo 2,3 milhões de votos no segundo turno. O PDT perdeu Fortaleza, no primeiro turno, e não conseguiu vencer o segundo turno em Aracaju, não elegendo prefeitos em capitais.
Esses resultados mostram que as bases locais dos partidos à esquerda, mesmo unidos, não são suficientes para dar suporte à candidatura de Lula à reeleição. Será fundamental incorporar ao seu arco de alianças outras forças políticas, do centro ao Centrão, assim como tirar proveito das fissuras na direita. Essa arquitetura não poderia ficar para 2026 e deveria começar pela recomposição do seu ministério.
Também valeria a pena discutir a criação de uma única federação entre todos os partidos à esquerda, para potencializar os seus votos, em 2026, de olho na futura composição do Congresso.
A esquerda deve refletir sobre as suas atuais dificuldades para empolgar o eleitorado, sobretudo das grandes cidades. Entender, por exemplo, por que o prefeito de Porto Alegre pôde se reeleger, com folga, uma vez que sua leniência na gestão dos diques de proteção amplificou a catástrofe climática recente que alagou a cidade? Entender como as milícias e as facções criminosas estão aumentando a sua representação política, capturando, justamente, o tema da segurança pública, tão caro à população periférica, e que elas próprias são responsáveis por sabotar? Ou como o escroque Pablo Marçal apropriou-se do anseio da juventude, relegada à própria sorte, por empreender?
Pois é, a economia cresce, o desemprego cai, mas a luta pela vida está difícil, a desinformação se dissemina, o ambiente urbano se deteriora, e a crise climática mitiga a esperança. As pessoas precisam e querem mais. E a esquerda, bem que poderia se dispor a virar essa esquerda+.