Congresso em transe
Eles querem a crise, o desemprego, a deseducação, o aumento da mortalidade. Nós queremos os direitos.
Por Márcio Santilli e Alice Dandara de Assis Correia, advogada do Instituto Socioambiental (ISA)
No domingo (21/09), centenas de milhares de pessoas foram às ruas, em dezenas de cidades, para manifestarem a sua repulsa às manobras em curso no Congresso para aprovar uma anistia aos participantes de tentativas de golpe de Estado e uma proposta de emenda à Constituição para subordinar a autorização para investigações e processos contra parlamentares a eles próprios.
Foram as maiores manifestações da história contra intenções e decisões do Congresso. Houve forte presença de partidos e organizações de esquerda, mas a repulsa à anistia e à “PEC da Bandidagem” é profunda na sociedade, o que explica a presença de pessoas que não iam para as ruas há tempos.
Tivemos grandes manifestações para pressionar pela aprovação de propostas pelo Congresso, como a das eleições diretas para presidente e pela convocação da Assembleia Constituinte, no final do regime militar. Mas, via de regra, elas têm como alvo o Executivo e suas medidas. Em 2015, vivenciamos um desses processos de despertar da consciência política coletiva, quando o povo foi às ruas pedir “Fora, Cunha”, isto é, a saída do cargo do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha.Tivemos grandes manifestações para pressionar pela aprovação de propostas pelo Congresso, como a das eleições diretas para presidente e pela convocação da Assembleia Constituinte, no final do regime militar. Mas, via de regra, elas têm como alvo o Executivo e suas medidas. Em 2015, vivenciamos um desses processos de despertar da consciência política coletiva, quando o povo foi às ruas pedir “Fora, Cunha”, isto é, a saída do cargo do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
Mas este ano está diferente. Parece que o povo percebe que o Legislativo, neste mandato, vive uma síndrome de usurpação de poderes, lambuzado em emendas ao orçamento e descarado ao legislar em causa própria. A grande maioria de parlamentares parece deixar evidenciar suas pretensões mais esdrúxulas, antidemocráticas, autoritárias e em causa própria. Um Congresso Inimigo do(s) Povo(s), ou pior, um Congresso Antipovo(s).
Com maioria no Senado e Câmara, a face antidemocrática da oposição tem ficado cada vez mais exposta, em um grande ato de desespero legislativo para sua própria proteção, de seus líderes e aliados, esquecendo-se dos princípios fundantes de seus cargos: o voto popular, a defesa e a promoção do Estado Democrático de Direito.
Após a saída de um período de amplificação do discurso de ódio, com a extrema-direita no governo, ela chegou ao Legislativo em sua maioria alegando defender os “reais interesses do povo”. E para isso, perguntamos: qual povo?
O conceito de povo, como bem observam as teorias de Estado, é, por si só, um conceito vazio que ganha significado e significância a partir do contexto onde se diz e a quem se dirige. E agora ficou nítido: para a extrema-direita, o povo possui um pronome possessivo anterior, não se trata do povo, mas do “meu povo”. E mais, trata-se, em verdade, dos “meus interesses”, “meu bolso”, “meu líder”.
Cada passo dado nos últimos meses por esta oposição tacanha escancara o projeto político que defendem e a abertura de um fosso entre o que se dizia e o que se é: aqui não interessa o(s) povo(s), mas o poder. E pior, o poder pelo poder, em seu movimento mais antidemocrático, atípico do que deveria ser um Congresso plural, diverso e capaz de, a partir de uma deliberação política efetiva, definir políticas capazes de promover a justiça social.
Povos indígenas e comunidades tradicionais
Os sinais já estavam ali, porém, alguns insistiam em não ver: projetos antidemocráticos que atacam povos indígenas, quilombolas e outros povos e comunidades tradicionais, que visivelmente pretendem destruir o meio ambiente, a democracia, as eleições, a independência dos poderes e o controle constitucional do Supremo Tribunal Federal (STF) foram aprovados ou estão nas tratativas para o serem, de forma mesquinha e avassaladora.Os sinais já estavam ali, porém, alguns insistiam em não ver: projetos antidemocráticos que atacam povos indígenas, quilombolas e outros povos e comunidades tradicionais, que visivelmente pretendem destruir o meio ambiente, a democracia, as eleições, a independência dos poderes e o controle constitucional do Supremo Tribunal Federal (STF) foram aprovados ou estão nas tratativas para o serem, de forma mesquinha e avassaladora.
Relembrando discussões já superadas na abertura democrática com propostas que, logo após a Constituição, foram derrubadas e descartadas, a oposição trabalha cotidianamente, nas comissões e no plenário, para terminar de efetivar o seu projeto de destruição. Pior, conta ainda com o aval de um Centrão que, esquecendo-se também do(s) povo(s), instrumentaliza a polarização à extrema-direita, para garantir o que só interessa a eles e não agrega valor ao país: ter dinheiro no bolso – orçamento público – e não ser investigado por seu mau uso.
Aliás, há muito tempo o Congresso Antipovo(s) inverteu uma lógica crucial para o Estado Democrático de Direito, a divisão de poderes e o pacto federativo. O orçamento de emendas parlamentares é, na verdade, a retirada da capacidade do Poder Executivo de definir aquilo que é sua posição principal: executar políticas públicas e racionalizar os gastos públicos por meio de seu orçamento para, identificadas as necessidades da população, destinar os recursos devidos para cumprir os princípios, objetivos e deveres constitucionais, aqueles estabelecidos logo nos primeiros artigos da Constituição, mas que muitos nem lembram de ler.
Assim, a cada ano a “fatia do bolo” orçamentário cai nas mãos dos parlamentares e cada vez menos o Poder Executivo, seus ministérios, órgãos, agências, fundações conseguem ter independência e autonomia para, com base na necessidade e interesse público, definirem suas prioridades. Aqui, o que vemos é a prioridade do caixa 2, do “curral eleitoral” – aliás, eles gostam mesmo é de uma boiada –, e dos interesses dos seus, não de toda a sociedade.
O Congresso tenta realizar um feito inédito, iniciado por Eduardo Cunha, que é um parlamentarismo sem ônus, com bônus e sem fiscalização, impune. Para isso, querem decidir a execução das políticas públicas (atribuição do Executivo), querem indicar todo orçamento público (Executivo), querem autorizar a oficialização de unidades de conservação e terras indígenas (Executivo), querem impedir o Controle de Constitucionalidade (Judiciário) e o julgamento de seus parlamentares parceiros que cometem crimes (Judiciário). Enfim, querem tirar dos outros poderes suas atribuições principiológicas.
Essa hipertrofia constitucional do papel do Congresso só demonstra que a extrema-direita quer, mesmo, o fim da democracia, do sistema de pesos e contrapesos, dos direitos constitucionais. Construíram para si a sua própria cova que está, cada vez mais sendo enxergada pela própria população. Eles querem a crise, o desemprego, a deseducação, o aumento da mortalidade. Nós queremos os direitos. A população e os povos pedem respeito. E, agora, o que dirá o Centrão?